Reflexões

De 20 a 26 de Setembro de 2004

Escrevo no regresso de um périplo onde as emoções se encontraram com a memória. Em mais uma iniciativa do CNC “Os Portugueses ao Encontro da sua História”, com o espírito das “descobertas”, fizemos no Atlântico a recriação da “viagem” dos portugueses…

Reflexão da Semana


de 20 a 26 de Setembro de 2004


“Escrevo no regresso de um périplo onde as emoções se encontraram com a memória. Em mais uma iniciativa do CNC “Os Portugueses ao Encontro da sua História”, com o espírito das “descobertas”, fizemos no Atlântico a recriação da “viagem” dos portugueses, procurando compreender as relações estabelecidas na costa africana, como contacto com culturas estranhas, que depois se projectaram para o Brasil em virtude do comércio triangular do sul do Atlântico. Ali está um dos laboratórios da organização política e económica do Brasil. Nas roças de São Tomé, entre a casa grande e a sanzala, reencontrámos a história, os claros e os escuros, mas sobretudo a vitalidade extraordinária de uma natureza fecundíssima. No forte de S. Sebastião, no Museu Histórico, lá está o cruzamento de factores contraditórios – bem simbolizado na invocação da memória de D. Maria de Jesus, mãe de Alda do Espírito Santo, exemplo de coerência cívica e de abnegação pessoal, na defesa dos direitos dos seus irmãos. Depois dos ciclos da cana-do-açucar, do café e do cacau, depois das dificuldades que se sucederam à independência, todos desejamos que São Tomé e Príncipe possa ter a importância que merece, como lugar paradisíaco com um povo acolhedor e afectuoso. Fernando Mendes, vindo de Viseu há meio século, foi para nós a memória viva em S. João dos Angolares. João Carlos Silva anima uma roça cultural, com mil sabores e tradições. Mas tudo coexiste com as reminiscências das grandes roças antigas, como Água Izé, onde fomos recordar as madrugadas e o toque dos sinos de que nos fala Miguel Sousa Tavares no “Equador”. E quando pisámos o Ilhéu das Rolas, ou de Gago Coutinho, pudemos homenagear o espírito das “descobertas”, desde os antigos navegadores até ao cientista e matemático moderno que determinou ali a linha do Equador. Pelo Gabão fomos até ao Benim, o antigo Daomé. Na aldeia palafita de Ganvié, sob a árvore do encontro na floresta sagrada, que assinala a primeira presença dos portugueses na região, na corte do rei de Ouidah, no forte português de S. João Baptista de Ajudá, reconstruído pela Fundação Calouste Gulbenkian, no palácio de Francisco Félix de Sousa, o implacável baiano negreiro (personagem de Bruce Chatwin) que aqui criou uma prestigiada estirpe, de que se fala com um estranho respeito, ou nas cerimónias vudu, levadas para o Brasil pelos escravos – todos sentimos que estávamos num certo regresso às origens, podendo imaginar os cenários encontrados pelos nossos navegadores. É verdade que tudo hoje está simplificado para acolher quem vem em busca da memória, no entanto, há uma aura de magia que torna a viagem inesquecível. E nesta peregrinação, Dakar, a ilha de Goreia e o Cabo Verde que deu o nome ao país irmão foram passagem obrigatória. De novo, a memória viva dos encontros e desencontros das culturas – que viria a culminar já em Cabo Verde na visita à Cidade Velha…”


Guilherme d’Oliveira Martins

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