De 20 a 26 de Dezembro de 2004.
A revista “Raiz e Utopia” foi recordada pelo CNC na semana que passou na Fundação C. Gulbenkian. Desde o impulso de António José Saraiva, Carlos Medeiros e José Baptista até à direcção de Helena Vaz da Silva, de 1977 a 1981, foi uma experiência de renovação e de abertura de novos horizontes…
20 Dezembro, 2004
REFLEXÃO DA SEMANA
De 20 a 26 de Dezembro de 2004
A revista “Raiz e Utopia” foi recordada pelo CNC na semana que passou na Fundação C. Gulbenkian. Desde o impulso de António José Saraiva, Carlos Medeiros e José Baptista até à direcção de Helena Vaz da Silva, de 1977 a 1981, foi uma experiência de renovação e de abertura de novos horizontes. Para além das fronteiras ideológicas da revolução industrial, a revista tratou novos temas, interrogou-se sobre as mudanças nas mentalidades e nos costumes. “Crítica e alternativas para uma Civilização diferente”. Liberdade e futuro foram referências permanentes de um lugar que sempre quis ser de ideias, de debates e de interrogações inesperadas. O Estado e a sociedade, o meio ambiente e a qualidade de vida, a proximidade das pessoas, a luta contra o esgotamento dos recursos, o combate contra burocratas, tecnocratas e salvadores políticos dos vários mundos foram os temas fundamentais da experiência. “A transformação da nossa civilização exige uma actividade constante e teimosa, uma afirmação e uma intervenção na vida de todos os dias pelo comportamento – numa palavra, uma prática da vida. Não lhes dizemos que aguardem e tenham paciência, mas sim que actuem desde já, segundo a sua esperança, para que o mundo se transforme, e para que eles mesmos não se deixem converter em coisas manipuladas. Não conhecemos outro caminho para a realização da utopia senão a guerrilha quotidiana” (nº 2, Verão de 77). Os anos setenta traziam o germe da exigência anti-totalitária. A outra Europa movia-se. Preparava-se lentamente a fragorosa queda do muro, por força das grandes mudanças sociais, económicas e culturais. A política relativizava-se, as fronteiras redefiniam-se. E António José Saraiva compreendeu-o como poucos, apegando-se ao sentido auto-crítico, que significou, para si, uma aproximação ao valor fundamental da liberdade, da crítica e da dignidade humana. Foi, assim, “heterodoxo” e iconoclasta – especialmente em “O 25 de Abril e a História”, peça dura de crítica, que deve ser compreendida à luz de uma aguda lucidez crítica. Eduardo Lourenço diz-nos que esta foi a sua última revista e insiste no seu carácter pioneiro e de futuro. José Mariano Gago fala de um vazio não preenchido. António Ramos Rosa refere a necessidade de ir da raiz à utopia. Alberto Vaz da Silva invoca uma cultura viva de procura de nós mesmos, em que razão e sentimentos se encontram. João Bénard da Costa cita os cães do Nilo, que correm e bebem. E A. Alçada Baptista disse (há vinte cinco anos) que “o mistério da vida não é o problema que é necessário resolver, mas uma realidade que é preciso experimentar” (nº 7-8). Guy Coq, invocando, a cumplicidade da “Raiz e Utopia” com a “Esprit”, falou desse combate anti-totalitário, representado por Domenach e Morin, contra a “desordem estabelecida” e o acontecimento como nosso mestre interior. Eis uma recordação viva.
Guilherme d’Oliveira Martins