Boas férias! Tempo houve em que para os privilegiados a vilegiatura era de três meses. Havia mudança de ares e de residência. O país ia a banhos. Havia Conselhos de Ministros na Granja. Tudo rodeado de grandes preparativos, viagens e mudanças. Desde Cascais (onde o Rei ia para a Cidadela) até à Ericeira, da Praia das Maçãs até S. Martinho do Porto, desde a Trafaria até à Arrábida, as famílias de cabedais mais avultados instalavam-se de armas e bagagens à beira-mar. Preveniam-se contra a influenza e buscavam o iodo para as crianças, complemento natural do bem menos agradável óleo de fígado de bacalhau, reservado aos Invernos. E havia grandes amizades, passeios e namoros. Muitos casamentos se arranjavam nas estações e nas estâncias balneares. E como não lembrar as grandes leituras? Faziam-se planos generosos, cuja execução dependia do vento e do sol, da bruma e da corrente do Golfo. Em ano de calor e de praias acolhedoras os planos não se cumpriam. Mas, se as brumas e o frio se instalavam, então os livros eram insuficientes. E quem eram os autores que acompanhavam as gerações jovens? Jonathan Swift, das Viagens de Gulliver, Daniel Defoe, das Aventuras de Robinson Crusoé, Robert L. Stevenson, da Ilha do Tesouro, Herman Melville, de Moby Dick… E havia ainda a capa e espada de Alexandre Dumas, a volta ao mundo de Júlio Verne, o Mississipi de Mark Twain, as Índias Orientais de Rudyard Kipling (e antes dele de Fernão Mendes Pinto), a febre do ouro de Jack London… Sandokan, Ivanhoe, “O Homem Invisível”, “O Últimos dos Moicanos”, David Coperfield e Oliver Twist transportavam o sonho e a aventura. A proximidade do mar significava o mistério e a magia. Sophia de Mello Breyner falava d’ “Aquela praia extasiada e nua / Onde me uni ao mar, ao vento e à lua”. Era o tempo dos grandes Verões, em que a preguiça e o ócio se tornavam criadores. Depois, no mês de Setembro, havia as vindimas. Era a antecâmara do novo ano, mais propício a ler a “Ilustre Casa”, que deixava sentimentos contraditórios, ou a invocar os poemas de Teixeira de Pascoaes. E se havia tão longas férias grandes era por causa do país agrícola, uma vez que seria impensável mandar à escola as crianças e os jovens antes do S. Miguel, pois que todos eram indispensáveis na lavoura até ao Equinócio… A grande maioria não tinha o descanso da vilegiatura estival. Para um País com mais de um terço da população ligada à agricultura, o Verão era um tempo de trabalho árduo – desde a colheita e debulha dos cereais até à apanha da uva e dos frutos secos. O Algarve, até meados do século XX, era um território distante e inacessível. Havia já quem gabasse as praias rochosas do Barlavento, mas não estavam nos itinerários conhecidos. A partir dos anos sessenta, tudo mudou de forma vertiginosa. O Algarve de Teixeira Gomes foi conhecido por muito poucos, antes da voragem dos especuladores. Onde está o Agosto azul de outrora?
Guilherme d´Oliveira Martins