Reflexões

De 19 a 25 de Setembro de 2005

Acabamos de regressar do périplo brasileiro em que homenageámos a memória do Imperador da língua portuguesa, o Padre António Vieira, nos lugares por que passou, deixando os seus ensinamentos e defendendo a dignidade de todas as pessoas, fossem elas índias, de cor negra, parda ou branca. (…)

REFLEXÃO DA SEMANA
De 19 a 25 de Setembro de 2005


Acabamos de regressar do périplo brasileiro em que homenageámos a memória do Imperador da língua portuguesa, o Padre António Vieira, nos lugares por que passou, deixando os seus ensinamentos e defendendo a dignidade de todas as pessoas, fossem elas índias, de cor negra, parda ou branca. Salvador, Recife, Olinda, S. Luís do Maranhão e Belém do Pará foram os pontos da nossa passagem. Muito vimos, numa autêntica corrida contra o tempo. E muito ficou por visitar. Apesar de tudo, procurámos usar da melhor forma o nosso programa, sem momentos mortos e com uma estóica resistência do grupo. E o resultado foi o deslumbramento, até porque se o Padre Vieira guiou os nossos passos, o certo é que pudemos ver não só o Brasil brasileiro, desde a influência africana de Salvador da Bahia até às raízes índias, bastante evidentes no Grão Pará, tendo sempre como pano de fundo a presença portuguesa, que permitiu as trocas nesse extraordinário cadinho civilizacional. Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” falava na dialéctica entre o trabalhador e o aventureiro, mas também referia a importância do “homem cordial”, no cruzamento das influências e dos desafios. O Brasil é um extraordinário ponto de encontro, onde se sente o universalismo da humanidade e a “cultura em movimento”, para usar a expressão de Alceu Amoroso Lima. E o Padre António Vieira foi o primeiro a pugnar pela igualdade essencial de todos, criticando com severidade os que agiam diversamente: “Até nas coisas sagradas, e que pertencem ao culto do mesmo Deus, que fez a todos iguais, primeiro buscam os homens a distinção, que a piedade”. Logo, no Senhor do Bonfim, encontrámos a cultura afro-brasileira, e se invocámos um culto vindo da portuguesíssima Setúbal, logo nos confrontámos com a memória da escravatura, lembrando o que há um ano vimos no Benim ou em Ribeira Grande. Depois, no terreiro de Candomblé da Casa Branca, deparámo-nos com o sincretismo religioso que tínhamos encontrado em S. João Baptista de Ajudá. E nas escadas do Passo, no local onde Anselmo Duarte filmou “O Pagador de Promessas” (1962), no diálogo tenso entre Santa Bárbara e Ançã, voltámos a sentir a “cultura em movimento” e a “cordialidade” que sempre nos foi dado encontrar. E o Padre António Vieira teve, como poucos, consciência de que o encontro e o diálogo seriam fundamentais. Contra os interesses instalados, contra a riqueza fácil e imediata, a favor da moderna emancipação, tornou claro que a igualdade e a dignidade não são palavras vãs. E a cada passo fomos sentindo a força dessa mensagem – desde a Quinta do Tanque, onde a versão final dos Sermões foi escrita, até Belém do Pará, passando por S. Luís do Maranhão, onde foi dito, para os que não queriam ouvi-lo, o Sermão de Santo António aos Peixes. 

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