Eduardo Lourenço (23.5.1923) está de parabéns na semana que entra. O ensaísta continua a interrogar-nos, com avanço sobre os acontecimentos e sobre o modo como poderemos responder aos misteriosos e exigentes estímulos perante os quais estamos. Em lugar de uma visão do País imaginário, encruzilhada de sonhos e de má-língua, Lourenço procura ser o camponês do Danúbio, com os pés assentes na terra – a dizer que tudo depende do que somos e do que queremos ser. Há dez anos, quando muitos julgariam que havia razões para optimismo, com a Europa a dar a sensação de uma caminhada irreversível e imparável, E. L. surpreendeu-nos ao falar de uma Europa desencantada. A Europa era, de algum modo, vítima do seu próprio sucesso. Acabara a guerra fria, o império soviético desmoronara-se e havia novas expectativas e novas perplexidades a ditarem a sua lei. A fragilidade europeia estava à vista, provindo quer da dificuldade interna de superar contradições antigas, quer de uma campanha externa persistente no sentido de não deixar o velho continente ser aquilo que desejaria ser. Hoje percebemos por que motivo E. Lourenço nos mostrou esse incómodo cartão amarelo. Afinal, não poderíamos esquecer que haveria um momento em que os egoísmos regressariam contra os ideais e contra os que consideram não haver vacinas contra a barbárie, salvo estarmos humanamente de sobreaviso. Por excesso de memória, a Europa é uma realidade indefinida e indefinível, difícil de se encontrar. Agora, se uns pensam que estamos condenados colectivamente a uma existência medíocre, há razões para desejarmos uma autonomia centrada na defesa dos valores e interesses comuns e na compreensão de que será mau para o mundo uma Europa dividida ou entretida com as vaidades nacionais, tendo do outro lado do Atlântico os Estados Unidos embalados na ilusão pueril de que poderão contrariar um movimento inexorável e imperial de decadência cultivando o método da sobranceria, contra a velha ideia de Kennedy da “parceria entre iguais”. Com o fim do antigo mundo bipolar, tornámo-nos nómadas de uma história difícil de decifrar, em que os instrumentos se confundem permanentemente com os fins. A globalização, os meios de comunicação de massa e as sociedades em rede tornam essa sombra inquietante, porque se projecta globalmente. Os aprendizes de feiticeiro atiçam os fundamentalismos e o terror, sob pretexto de os combater… As nações fecham-se, em lugar de buscar novos modos de partilhar vontades e destinos… Como diria o ensaísta: “povo missionário de um planeta que se missiona sozinho, confinado ao modesto canto de onde saímos para ver e saber que há um só mundo, Portugal está agora em situação de se aceitar tal como foi e é, apenas um povo entre os povos. Que deu a volta ao mundo para tomar a medida da sua maravilhosa imperfeição”. Longa vida!
Guilherme d`Oliveira Martins