Há cem anos, nasceu em Velez-Málaga Maria Zambrano (1904-1991). A jovem estudou Filosofia e Letras. Na Universidade de Madrid encontrou dois mestres que marcaram decisivamente o seu percurso intelectual – Ortega y Gasset e Xavier Zubiri. A tese de doutoramento que defendeu revelou uma extraordinária maturidade filosófica. A jovem pensadora escreveu na “Revista de Occidente” e em “Cruz y Raya” de José Bergamín. Viveu intensamente o tempo da República. Acompanhou o marido em missão diplomática no Chile. A meio de 1937 regressou a Espanha quando a causa republicana parecia já condenada. A vitória nacionalista levou-a a um longo exílio. O conjunto da obra que produziu pareceu não atrair as atenções, apesar da sua originalidade e da sua força – “Delírio e Destino” (1952), “El Hombre y el Divino” (1955); “El Sueño Creador y España, Sueño y Verdad (1965); e “Claros del Bosque” (1975). Os mais atentos, como José Luís Aranguren, seguiram atentamente, apesar da distância, a pujança do pensamento de Maria. No ocaso da vida, em 1981, recebeu o prémio Príncipe das Astúrias e sentiu o reconhecimento do seu País. A plena consagração veio, porém, apenas com a atribuição do Prémio Cervantes, em 1988. A sua obra foi então reeditada. Os mais jovens conheceram-na com surpresa e entusiasmo. Em 6 de Fevereiro de 1991 morreu. Maria está sepultada na sua terra natal, sob a sombra de uma laranjeira, como Santa Teresa de Ávila, que tanto admirou. Para Maria Zambrano, o filósofo deseja a unidade porque quer tudo. E o poeta não pode chegar a querer tudo porque teme que neste ‘tudo’ não esteja cada uma das coisas com as suas variações, suas pegadas e seus fantasmas. O poeta quer uma espécie de totalidade a partir da qual se possua cada coisa, não entendendo por coisa a unidade que resulta de subtracções (cf. “A Metáfora do Coração”, p. 69). Há, assim, dois caminhos, representados por Ortega e por Unamuno. O caminho do filósofo, ligado ao violento amor à verdade, conduz ao abandono da “generosa proximidade da vida”. O pasmo e a admiração iniciais da atitude filosófica transformam-se em interrogações permanentes. A poesia procura a multiplicidade e a diferença. A filosofia demanda a unidade. De modo luminoso, Zambrano coloca-se nos dois termos do dilema. Há um vai e vem permanente entre a filosofia e a poesia – entre a violência da verdade e a força das aparências, entre a libertação das correntes e o contentamento da visão das sombras no fundo da caverna. Os dois “logos” caminharam durante muito tempo desconhecendo-se. E a ética resulta da encruzilhada das duas vias. A exigência da dignidade humana obriga a que os dois termos do dilema se não desconheçam e se completem. O mundo da vida é feito da aparência e do significado, das evidências e dos enigmas. A razão e o sentimento completam-se e conduzem à permanente busca da verdade.
Guilherme d`Oliveira Martins