Reflexões

De 15 a 21 de Dezembro de 2003

Quarenta anos da revista “O Tempo e o Modo”. Esta semana, na Fundação Calouste Gulbenkian, invocamos esse momento extraordinário da nossa vida cultural do século XX que foi a publicação da primeira série da revista. Vasco Pulido Valente sintetiza, de modo exemplar: “`O Tempo e o Modo´ não foi uma má revista. Longe disso”. A verdade é que “o regime e o PC, ou os seus companheiros de caminho, dominavam e fiscalizavam a opinião pública e a produção académica, ensaística e cultural que se publicava…

Quarenta anos da revista “O Tempo e o Modo”. Esta semana, na Fundação Calouste Gulbenkian, invocamos esse momento extraordinário da nossa vida cultural do século XX que foi a publicação da primeira série da revista. Vasco Pulido Valente sintetiza, de modo exemplar: “`O Tempo e o Modo´ não foi uma má revista. Longe disso”. A verdade é que “o regime e o PC, ou os seus companheiros de caminho, dominavam e fiscalizavam a opinião pública e a produção académica, ensaística e cultural que se publicava. `O Tempo e o Modo´ recebeu e promoveu muitas vítimas deste arranjo, desde Vergílio Ferreira a Eduardo Lourenço, desde Agustina Bessa-Luís a Sophia de Mello Breyner, desde António-Pedro Vasconcelos a João César Monteiro. Tratámos Jorge de Sena como ninguém o tratou em vida e José Régio como ninguém o tratou depois”. Afinal, usando uma expressão cara a João Bénard, a revista foi «o piano de uma geração que rejeitava simultaneamente a ditadura, o velho republicanismo jacobino e o PC». E Vasco Pulido Valente, activíssimo membro da redacção da revista, recorda ainda que “a censura e o PC, pelo menos, achavam-nos à altura merecedores da sua execração”. Apesar de mil tentativas para suavizar os efeitos devastadores do lápis azul, a censura “demolia” todos os meses “dois terços de cada número, uma proporção altamente anormal, mesmo para as circunstâncias e os hábitos estabelecidos”… Tudo isto foi possível graças à generosidade de António Alçada Baptista, que tinha um espírito aberto que favorecia a liberdade, e que perdeu, só na revista, setecentos contos a preços da altura, que hoje significam quase cem mil euros, e de João Bénard da Costa que “conservou, contra ventos e marés, um fervor pela revista e uma convicção da sua importância que o sustentaram a ele e a nós em crises quase diárias e desesperos permanentes”… E esse entusiasta de sempre, de mil causas da inteligência, João Bénard da Costa, reconhece “a satisfação de ter contribuído para uma revista que foi culturalmente marcante e onde se multiplicaram das melhores e menos estúpidas coisas que nesse período se escreveram na imprensa portuguesa”. Aqui diz-se tudo. Os das gerações mais novas reconhecem-no sem sombra de dúvidas. Para além das situações e dos debates, dos momentos de arrufos e das zangas, os animadores da revista tiveram, como poucos, uma lúcida compreensão de que o futuro seria radicalmente diferente e que todos se deveriam preparar para ele… A revista preparou a abertura. Lançou as bases de uma cultura aberta e democrática. Denunciou aquilo que designou sempre como “desordem estabelecida”, feliz expressão de Emmanuel Mounier para designar o absurdo de uma situação. Nas linhas e nas entrelinhas disse-se tudo ou quase tudo o que havia para dizer. Foi uma sementeira de ideias e de projectos ao encontro da liberdade!

Guilherme d`Oliveira Martins

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