A Vida dos Livros

De 15 a 21 de agosto de 2016.

«Portugal e o Atlântico» de Bernardo Pires de Lima (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2016) trata do que o autor designa como um ressurgimento silencioso do Atlântico, capaz de recentrar a geopolítica do século XXI, aproveitando a posição geográfica de Portugal.

POLARIDADES DIFUSAS

Na lógica de um mundo caracterizado por um sistema de polaridades difusas, Portugal tem interesse e necessidade de encarar a multipolaridade como um fator de enriquecimento – para além das lógicas do predomínio absoluto do Pacífico, de ascensão da China e de declínio ocidental. A vocação euro-atlântica de Portugal é fundamental. Seremos tanto mais respeitados quanto mais formos ouvidos na Europa e soubermos diversificar a nossa situação no Atlântico e nas zonas do mundo onde a língua portuguesa tem influência. Como afirma Bernardo Pires de Lima: «um país como Portugal precisa de maximizar a sua posição geográfica, os seus recursos humanos, as suas relações externas e o seu potencial marítimo. Estes eixos farão um país pequeno mais forte no concerto europeu, enquanto espaço determinante na consolidação e na manutenção da democracia portuguesa. Farão de um país periférico na UE um ator central dotado de projeção política e estratégica no Atlântico. Farão de um país virado para a história atlântica e para o seu potencial presente e futuro um pivot geopolítico e económico, aliando relações culturais com África, América Latina e América do Norte às valências comerciais, energéticas, logísticas e securitárias que emergem na região». Trata-se de olhar um objetivo estratégico e não circunstancial, recusando confundir política externa e diplomacia económica, ou relações comerciais com prioridades políticas. Neste sentido, se é verdade que o complexo fenómeno do «Brexit» pode vir a enfraquecer a lógica Atlântica de Portugal, o certo é que é no plano político que a questão deve ser posta. Portugal não pode ficar indiferente em relação aos próximos passos da construção europeia e da consolidação de um espaço atlântico. O desafio fundamental é de índole política. Não é apenas um problema de caixeiros-viajantes ou de negócios de curto prazo. Bernardo Pires de Lima põe o dedo na ferida, devemos ponderar seriamente essa consideração, para que a mediocridade, a irrelevância e a periferia não prevaleçam na vida portuguesa!

DAS SANÇÕES AOS INCENTIVOS

Falou-se nas últimas semanas de hipotéticas sanções europeias aos países ibéricos por eventual violação de regras comunitárias sobre défices excessivos. Não há muito a acrescentar àquilo que o comissário europeu Carlos Moedas disse e sobre o bom senso que, apesar de tudo, prevaleceu sobre a matéria, ao menos momentaneamente num tema mais complexo do que à primeira vista possa parecer. E se digo mais complexo, tal deve-se à circunstância indiscutível de estarem em causa dois países – Portugal e Espanha – cujo balanço global no tocante à integração europeia é dos mais importantes e positivos. Porquê? Uma vez que foi evidente o valor acrescentado dessa adesão (longamente preparada, ao contrário doutros casos), do mesmo modo que se confirmou o que Lorenzo Natali sempre disse: quando os países ibéricos entrassem nas Comunidades, estas ficariam mais fortes e mais abertas… No entanto, esse era o tempo em que Jacques Delors insistia na coesão económica e social e na ligação entre as componentes monetária e económica na construção europeia. Infelizmente, depois foi prevalecendo uma lógica redutora, com sub-reptícia prevalência de um estranho discurso de divisão entre a Europa Central e do Norte e o depreciativamente designado de «Clube Med»… Ora, o compromisso que permitiu a construção do Euro foi inquinado por esse debate – chegando-se a um entendimento necessário em que o Sul e o Mediterrâneo ficaram subalternizados. Mas António Guterres e António Sousa Franco fizeram muito bem quando impediram uma subalternização que seria irremediável e teria consequências desastrosas. Politicamente foi fundamental optar por estar na locomotiva do comboio europeu. O projeto do Euro é, assim, ainda frágil (mas pode ser fortalecido) porque não integra, clara e inequivocamente, a lógica da coesão e a perspetiva da solidariedade económica. Eis por que razão este falso debate sobre as sanções só confirma a fraqueza da União Monetária, que ainda não é Económica.

POR UMA SOLIDARIEDADE POLÍTICA

Fique, pois, claro que debater sanções é um modo errado de ver o problema. Ou há incentivos e propostas positivas ou nada vale a pena. O que nem todos sabem quanto a sanções eventuais é um dado algo surpreendente. O excedente comercial alemão bateu há pouco um novo record. Os números de 2015 revelam, contrariando as recomendações específicas da União desde 2013 e o Tratado de Lisboa, que a Alemanha tem um superavide de 252 mil milhões de euros, acima dos 212 mil milhões de 2014. Ora, tal saldo constitui um risco macroeconómico para a moeda única que prejudica gravemente a competitividade de todo o espaço da União, pondo em causa, além do mais, a convergência social europeia, que tem sido subalternizada por quase todos… O limite considerado aceitável seria entre um défice de 4% e um excedente de 6% do PIB. Ora a Alemanha apresenta hoje um excedente de mais de quase 9%, tendendo a aumentar em 2016. Tem havido, assim, uma violação sistemática e reiterada de recomendações específicas – no sentido de agravar a estagnação económica europeia. Eis por que razão a escolha de bodes expiatórios na Península Ibérica é absurda e esquece inequivocamente os procedimentos por desequilíbrio macroeconómicos. Nos seis riscos previstos, a Alemanha encontra-se na categoria 3, que exige vigilância e ação decisiva… Em situação semelhante encontra-se, aliás, a Holanda. Num e noutro caso, as situações devem-se a escassez da procura e portanto à incapacidade revelada por um mercado interno, demasiado fechado e indutor de estagnação. Eis o ponto em que nos encontramos: há dificuldades que batem à porta de todos e que têm de ser devidamente ponderadas. Esta a razão pela qual as providências sobre défices excessivos dos países ibéricos não podem ser vistas com um ato de complacência. Estamos, sim, perante a necessidade de encarar os instrumentos de que a União Europeia dispõe, pondo-os ao serviço de uma reforma das instituições comuns – a qual visa superar a situação de enfermidade crónica que persiste perigosamente. Ninguém sabe qual o desfecho da saída do Reino Unido. Ainda muita água passará sob as pontes. Mas importa não cometer o erro crasso da indiferença ou da ilusão. Quando os britânicos fizerem, com o rigor a que nos habituaram, o cálculo dos custos e benefícios sobre a decisão que tomaram de abrir a Caixa de Pandora, só então poderemos vislumbrar o que irá passar-se. Até lá é prematuro tirar conclusões e não haverá adivinhos para revelarem o que lhes dizem as bolas de cristal. Uma coisa é certa – com ou sem Reino Unido, a União Europeia está muito frágil e sem soluções. A saída britânica desequilibra a frente atlântica e pode enfraquecer a componente ibérica. No entanto, será um erro muito grave continuar a discutir-se quem dos elos mais fracos vai ser apontado como malcomportado da classe, quando o que está realmente em causa é melhorar a prestação de toda a turma que está longe de corresponder ao que dela se exige!   

 

Guilherme d’Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

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