DAS TRADIÇÕES ÀS IDEIAS NOVAS!
Havia que ligar património cultural, língua portuguesa, outras línguas, literatura, artes, tradições e modernidade. Desde o primeiro momento, as ideias novas e a modernidade estiveram bem presentes no CNC. E o Centro tornou-se ponto de encontro pioneiro de jovens artistas, escritores, pessoas do teatro, defensores avant-la-lettre do meio ambiente e da fidelidade às raízes, com os olhos postos no futuro. Almada Negreiros e Fernando Amado fizeram do tempo novo a regra e o princípio. E, sem cuidar de naturais vicissitudes de um grupo que ganhou direitos de alforria sonhando uma «Cidade Nova», notamos que depressa foi o desejo de ar fresco e de liberdade de espírito que prevaleceu. Afonso Botelho, António Seabra e Gastão da Cunha Ferreira fundaram o Centro, vindos de Fátima, como ponto de encontro e de reflexão. Houve uma rádio de curta duração, a esperança monárquica, mas tudo começou com uma auspiciosa “Exposição de Arte Moderna” com Almada, António Dacosta, Eduardo Viana, Carlos Botelho, António Lino e Cândido Costa Pinto… E logo em 1946, nasceu o grupo de teatro de Fernando Amado, com “A Caixa de Pandora”.
DIÁLOGOS SOBRE A ARTE
Houve diálogos sobre a arte. Francisco Sousa Tavares emergiu como figura central – fazendo da liberdade um sinal de tradição e futuro. Contra todo o conformismo, foi ele quem primeiro definiu o Centro como um lugar de autonomia e de criação, de liberdade e de inteligência. E Gonçalo Ribeiro Telles ligou a Cidade Nova à natureza e à terra. Afonso Botelho, Delfim Santos, Gabriel Marcel falaram sobre a saudade, a filosofia atual e o existencialismo cristão. À falta de cadeiras, usava-se cestos de vime… Em 1954 o grupo de teatro transformou-se na Casa da Comédia. E o grupo Fernando Pessoa, com «O Marinheiro» fez em 1962 a memorável tournée no Brasil, onde encontrou Manuel Bandeira, Drummond, Vinicius e Cecília Meireles. Sousa Tavares e António Alçada Batista marcam por essa alturaq decisivamente o CNC, num sentido personalista, democrático e constitucional. Lourdes de Castro faz a sua primeira exposição aqui. No CNC se reúnem os fundadores de “57”, José Marinho, Álvaro Ribeiro, Afonso Botelho, Orlando Vitorino e António Quadros, mas também se ouve a «heterodoxia» de Eduardo Lourenço. Dos debates monárquicos, bastante acesos, passa-se à ideia democrática, com a candidatura de Humberto Delgado, o apoio ao Bispo do Porto, a reflexão sobre o “dever social dos cristãos”, em que pontua a aventura da Livraria Moraes e do Círculo do Humanismo Cristão. A questão de Goa, as guerras de África, as crises académicas, o Concílio Vaticano II põem o Centro no coração dos temas atuais e necessários. Em 1961 realizam-se as conferências de quinta-feira, sob impulso de Helena Cidade Moura. São convidados o Padre Manuel Antunes, Joel Serrão, Virgínia Rau, Vitorino Magalhães Godinho, Ruy Belo, Adérito Sedas Nunes, David Mourão-Ferreira, Luís Francisco Rebelo. Tornam-se gente muito cá de casa, mas faz-se sentir a vigilância da PIDE. «O Tempo e o Modo» e a «Concilum» são projetos irmãos. «Se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo» – dirá Pedro Tamen. Alberto Vaz da Silva e João Bénard da Costa apontam caminhos novos na crítica literária. De Agustina a Jorge de Sena há novos valores a considerar. Nasce a Resistência Cristã de Nuno de Bragança, José Pedro Pinto Leite e João Bénard da Costa. Depois do fecho da Sociedade Portuguesa de Escritores, pela atribuição do prémio a Luandino Vieira, Sophia de Mello Breyner torna o Centro o lugar de resistência intelectual. «Perfeito é não quebrar / A imaginária linha // Exata é a recusa / E puro é o nojo».
SANGUE NOVO…
Os jovens universitários tornam-se presença assídua – Jorge Sampaio, António Reis, Jaime Gama, José Luís Nunes, Eduardo Prado Coelho, Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Nuno Júdice, Jorge Silva Melo, Luís Miguel Cintra. Com Francisco Lino Neto, realiza-se o 1º Encontro Nacional de Críticos de Arte. Contesta-se a guerra do Vietnam. José Manuel Galvão Teles preside ao Centro. É o marcelismo. Jorge de Sena vem falar. Na Sociedade de Belas Artes organiza-se o ciclo “Lusitânia, Quo Vadis?”. Há cargas policiais e detenções. Há dirigentes presos e o debate democrático é vivo e intenso, com Sousa Tavares a regressar à presidência. «Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar» – diz Sophia numa vigília de cristãos na igreja de S. Domingos, e nada pode ficar como dantes. Em 1970, António Alçada Batista e Nuno Teotónio Pereira trazem para o Centro a “Associação para a Liberdade da Cultura”, presidida por Pierre Emmanuel. Teotónio Pereira, Alçada Batista, Cardoso Pires e João de Freitas Branco assumem rotativamente a presidência do Centro até 1974. João Bénard da Costa será o secretário de 1970 a 1974. É um momento de perplexidades – se Nuno Teotónio Pereira é preso, Veiga Simão, o novo Ministro da Educação, constitui uma Comissão de Cultura com membros do CNC. Mas a Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos também aqui funciona… Um dia, Frei Bento Domingues é convocado para a PIDE e diz que na rua só conhece o Centro Nacional de Cultura… É a democracia que começa a passar por aqui. A liberdade de imprensa é defendida como essencial. Há cursos livres sobre temas proibidos, realizam-se os jornais falados. Uma sessão com José Afonso é proibida e acaba em carga policial.
O DIA INICIAL, INTEIRO E LIMPO
O DIA INICIAL, INTEIRO E LIMPO
Chega a democracia. Sophia escreve. «Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial, inteiro e limpo, / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo». Francisco Sousa Tavares está em 25 de Abril de 1974 no Largo do Carmo, como sempre estivera, na primeira linha da defesa da liberdade. A legalização dos partidos políticos faz o CNC interrogar-se. José-Augusto França à frente dos destinos do Centro instala aqui o departamento de História de Arte da Universidade Nova – e permite a sobrevivência. José Régio inspira o novo tempo. «Davam grandes passeios aos domingos». Helena Vaz da Silva assume a presidência do CNC com a direção da “Raiz e Utopia”, plena de entusiasmo e de novíssimas ideias. Inicia-se uma nova fase de debates, de percursos, de mil projetos sobre o Património Cultural e sobre a presença portuguesa no mundo… António José Saraiva e Eduardo Lourenço fazem da liberdade de pensamento um exercício de crítica e de recusa de lugares comuns – a psicanálise mítica do destino português e «Os Filhos de Saturno» desenvolvem-se como sinais de controvérsia e diálogo. A educação, a ciência, a cultura, as artes agitam as mentes. Jovens cidadãos sobre rodas, os portugueses ao encontro da sua história, o património como realidade viva… As bolsas de jovens criadores e da criação da lusofonia ligam-se à formação nos temas europeus, no turismo cultural e nos roteiros patrimoniais. O Centro coordena as Jornadas Europeias do Património e aqui nasce a Convenção de Faro do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural assinada em 2005 e em vigor desde 2011… Setenta Anos, quantas interrogações? Quantos projetos?
Guilherme d’Oliveira Martins