“Tão nobre espírito/ em tão estreita regra/ Tão vasta liberdade em tão estreita/ Regra”. Assim evoca a “Memória”, como marca essencial do tempo. Compreenderemos? Como combater o esquecimento e a indiferença? Como lutar contra a mediocridade sobranceira? Continuamos a recordar Sophia, memória permanente aqui no Centro. João Bénard da Costa invocou, em mais um dos seus textos inesquecíveis, a sua presença. Lemos uma página de memórias, entrecruzada com a leitura da poesia. Que melhor forma de continuarmos vivos? “Foi “O Tempo e o Modo” que fez o milagre. O António Alçada Baptista era amigo da Sophia e do Francisco e, um dia, levou-nos lá, ao Alberto Vaz da Silva e a mim, que há dez anos andávamos a escrever-nos cartas sobre Sophia e a recitar-lhe poemas de cor e salteado. Ela achou graça àqueles miúdos em êxtase, que lhe pediam incessantemente que `dissesse´, ou seja nos desse, na voz dela, a poesia dela. Os filhos de Sophia (crianças ou adolescentes) queriam saber qual de nós era o tempo, qual de nós era o modo”. Desconcertante jogo de palavras… Como se tempo e modo tivessem expressão humana – e no entanto têm-na, no dia a dia, porque o tempo alberga a consciência e o agir, a atenção e a força, e os modos de nos tornarmos atentos e activos perante o ser… “À Sophia e ao Francisco juntava-nos outra espécie de poética. O pranto por esses negros anos sessenta, pela `noite/ densa dos chacais/ pesada de amargura. Este é o tempo em que os homens renunciam´. (…) As palavras a que ela, um dia, chamou `deslumbradas´, são as que eu mais associo ao nosso combate político, às discussões na grande sala do Centro Nacional de Cultura, então dirigido por ela e pelo Francisco, ou pelos dois, aos abaixo-assinados que tão poucos se levantaram para assinar”… Como não recordar emocionadamente esse tempo, cheio de presenças e de muitas ausências? Hoje, uma certa mediocridade impera. É o reino da estupidez? E os medíocres, contra os quais sempre se levantaram Sophia e Jorge de Sena, têm a estranha arte de se dissimularem e de desenvolver os grandes discursos feitos de indiferença e de desatenção. A estupidez contraria-se com atenção, respeito e dignidade. A inteligência baseia-se no dever de compreender. E os medíocres não podem compreender que há, como houve, um “tempo de solidão e de incerteza. Tempo de medo e tempo de traição. Tempo de injustiça e de vileza. Tempo de negação”. Que é a cultura do ser e da responsabilidade? E João Bénard da Costa recorda uma pequena história que tem a ver com Sophia: “uma amiga dela, com posições contrárias, contou-me como se zangou quando leu o último livro. E disse-lhe que não percebia como ela atacava assim pessoas e um meio que `tu conheces por dentro´. A resposta de Sophia:`Esqueces-te que essas pessoas não têm dentro. Só têm fora´.
Guilherme d’Oliveira Martins