OS BENS CULTURAIS RELIGIOSOS
Importa recordar que a Comissão Pontifícia para os Bens Culturais da Igreja considera os Museus Eclesiásticos e a Arte Sacra como fatores de aprofundamento da espiritualidade e da fé. Nesse sentido “a Igreja deve evitar o perigo do abandono, da dispersão e da devolução das peças (…), instituindo quando for necessário, ‘depósitos dos museus’ que possam garantir a conservação e fruição no âmbito eclesial. As peças de menor importância artística também testemunham no tempo o empenho das comunidades que as produziram e podem esclarecer a identidade das comunidades atuais. (…) De qualquer modo, é indispensável que as obras conservadas nos museus e nos depósitos eclesiásticos permaneçam em contacto direto com as obras que ainda se encontram em uso nas diversas instituições da Igreja” (Carta Circular, 2001). Nesta linha integra-se o projeto da requalificação da Sé Catedral de Santarém que teve a sua génese em 2011 aquando das comemorações dos 300 anos da edificação do templo, no âmbito da Rota das Catedrais, com consequente abertura do Museu, que passou a constituir uma referência fundamental no património cultural português. Em resultado dessa relevante intervenção foram atribuídos dois importantes prémios à intervenção: pela Fundação Calouste Gulbenkian, o Prémio Vilalva (2014) e pela Europa Nostra, o Prémio Europeu do Património Cultural (2016). No livro “Catedral e Museu…” reúne-se uma dezena de estudos históricos e artísticos sobre o edifício do antigo Colégio Jesuíta, contando com contributos de especialistas reconhecidos, como: Miguel Soromenho, João Cabeleira, Maria João Pereira Coutinho, Sílvia Ferreira e Maria Alexandra Gago da Câmara. Saliente-se a coordenação técnica de Eva Raquel Neves – sob a dinâmica direção do Padre Joaquim Ganhão, sob o impulso de D. José Traquina.
UMA HISTÓRIA MUITO RICA
A atual Sé Catedral foi construída sobre o antigo Paço Real na Alcáçova Nova, oferecido pelo rei D. João IV, em 1647, para construção do Colégio Jesuíta de Nossa Senhora da Conceição, que teria a traça dos Arquitetos Mateus Couto, tio e sobrinho. Depois da extinção da Companhia de Jesus, a Igreja e edifício viriam a albergar sucessivamente Seminário, Liceu Sá da Bandeira e até Tribunal. O monumento que chegou aos nossos dias e que agora surge em todo o seu esplendor, singulariza-se pela grandeza, equilíbrio e harmonia da fachada, pelos notáveis tetos pintados na nave e capela-mor, pelo retábulo desta com embutidos de pedraria polícroma, pelos ricos altares laterais de talha dourada e pelos mármores da Capela de Nossa Senhora da Boa Morte de João António Bellini de Pádua. Merecem ainda referência os diversos painéis de azulejos e os retábulos em estuque de Francesco Marca. A monografia sobre a Catedral é completada por um estudo das coleções do Museu Diocesano, com cerca de 150 peças, reunindo o contributo de cerca de 50 especialistas dos principais museus nacionais e das Universidades. O conjunto de peças que foi possível reunir demonstra a tomada de consciência sobre a riqueza das paróquias da diocese – permitindo-se um esforço comum de conhecimento, valorização e preservação de acervos de grande qualidade, numa região com uma extraordinária riqueza no tocante ao património cultural, histórico e artítico. Pode, pois, dizer-se que esta ação coordenada concretiza o cumprimento escrupuloso da Convenção de Faro, do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea (assinada em 2005). De facto, há uma apreciável ligação entre património material e imaterial, bem como o reconhecimento pela sociedade do valor da criação cultural e artística.
LEMBRAR UM TRABALHO LONGO
Saliente-se o importante texto de Pedro Canavarro, no qual nos dá conta da grande persistência que foi necessário ter para se chegar ao ponto em que nos encontramos e os desafios que continuam presentes. Houve inicialmente receios e resistências, mas finalmente foi possível encontrar reconhecimento da riqueza do património escalabitano, designadamente na exposição “Encontros de Cultura – oito séculos de missionação” em S. Vicente de Fora com a apresentação da coleção de objetos sacros e não só, em prata indiana do século XIX provenientes do património de D. António Pedro da Costa, Bispo de Damão e Arcebispo ad honorem de Cranganor, além do conjunto de peças da Diocese de Santarém de sacras, galhetas, uma bacia com gomil e caldeirinha com hissope… Graças aos Bispos D. Manuel Pelino e D. José Traquina foi possível chegar ao ponto atual, ficando-nos do Sermão da Sexagésima do Padre António Vieira a magnífica expressão: “Para um Homem se ver a si mesmo são necessárias três coisas – olhos, espelho e luz” – é exatamente o que encontramos neste trabalho extraordinário.
Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença