CASA DE GARRETT
CRIME LESA-CULTURA…
«Foi um crime imperdoável contra a cultura». Assim se exprimiram todos os intervenientes no debate que teve lugar no Grémio Literário, na 5ª feira, dia 16 de Fevereiro, com sala cheia, a propósito da demolição da casa de Garrett, a Campo de Ourique. José-Augusto França não calou a sua indignação e falou de uma “destruição legalizada”. E o certo é que a gravidade maior do acontecimento foi a indiferença, a insensibilidade, a ignorância e a duplicidade dos discursos, dos que se procuraram aproveitar eleitoralmente do facto, para depois se esquecerem de todas as promessas ou gestos hipócritas de simpatia. Raquel Henriques da Silva falou de um precedente gravíssimo, já que se iniciou um processo de dominó que afectará irremediavelmente uma artéria fundamental no desenvolvimento da cidade, antes e depois do terramoto. O prédio de Garrett e o seu valor eram indiscutíveis, mas não isoladamente, já que pertenciam a uma correnteza que agora fica posta em causa e comprometida. Quem pode pôr em causa as referências românticas do local – o cemitério dos ingleses, o primeiro da cidade, em frente da casa, com a memória de Fielding bem presente? Garrett o disse. Nada ali está ao acaso. Até à demolição tudo foi feito ao contrário do que devia. Não se preveniu, não se protegeu e depois foram feitas apreciações erradas, superficiais e levianas. “Não matemos os velhos – deixemo-los em paz!” – disse Raquel Henriques da Silva. “O que agora aconteceu é que foi morta impunemente uma velha casa e a sua memória. Ana Tostões reafirmou o que disseram os oradores que a antecederam. E prenunciou, daqui para a frente o pior. As casas têm memória, inserem-se em conjuntos coerentes. O efeito dominó vai multiplicar o gravíssimo atentado agora perpetrado. “Amanhã, certamente, por este andar, veremos o bairro de Alvalade esventrado e corrompido”. Mas alertou ainda para o que poderá vir a acontecer no Conservatório Nacional, no Convento dos Caetanos, outra casa de Garrett. Com muita emoção Urbano Tavares Rodrigues falou do crime contra a memória de Garrett e recordou quanto o poeta, dramaturgo e romancista maior da nossa cultura amava aquela casa – situada num cenário romântico por excelência. Houve muita ignorância em tudo isto… Afinal, muita gente desconhecia os testemunhos insofismáveis de Gomes de Amorim sobre o valor da casa. Luís Francisco Rebelo confirmou o grito de revolta já expresso por França e Urbano. É Garrett que está a ser desrespeitado, pelo império do lucro fácil e imediato e da especulação imobiliária. “Momento terrível”, “péssimo sinal”, “crime lesa-cultura”, “cegueira do lucro” com desrespeito da cidade e da memória… A Academia das Ciências, representada por João Bigotte Chorão, não quis estar ausente neste momento tão grave para a cidade de Lisboa, do mesmo modo que a Academia de Belas Artes, que se pronunciou pela boca de António Valdemar. Mafalda Magalhães de Barros considera surpreendente o desfecho depois de todos os alertas. Garrett naquele seu Grémio Literário teve naquela noite uma homenagem sentida, num ambiente de luto carregado. A casa foi demolida. Tudo irremediável. Mas ninguém esquecerá, por certo, que um crime foi cometido, e que o crime nunca compensa… E todos saímos ainda mais inquietos do que entrámos. Arriscamo-nos ao domínio do aleatório e do discricionário. Pelos vistos, nenhum dos envolvidos (mesmo alguns do que deram pareceres que são o contrário de tudo o que se exigiria) tinha lido Garrett ou Gomes de Amorim. Grémio Literário, Academias, Fórum Cidadania Lisboa, Pen Clube Português, Associação Portuguesa de Escritores, Centro Nacional de Cultura, todos solidários.