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As Novas Tecnologias e o Futuro

A quarta mesa-redonda, integrada no ciclo Diálogos Intergeracionais: à Conversa sobre Ciência, Cultura e Política Científica, aconteceu no CNC, no passado dia 10 de dezembro.

Oradores:
– Manuel Mira Godinho [ISEG/UL]
– Luís Moniz Pereira [FCT/UNL]
– António Betâmio de Almeida [IST/UL]
– Maria do Céu Patrão Neves [Universidade dos Açores]

Moderação: 
Maria Eduarda Gonçalves [ISCTE/Dinâmia’CET, CNC]

Novas tecnologias é obviamente um conceito relativo à época em que o invocamos. Na sua Meditação sobre a Técnica (1933), Ortega y Gasset definiu as funções da técnica, incluindo da “técnica atual” baseada na ciência: assegurar a satisfação das necessidades humanas, reduzindo o esforço do homem e criar possibilidades totalmente novas de produzir objetos inexistentes na natureza como navegar, voar, falar com os antípodas por meio do telégrafo ou da comunicação rádio. Falar neste momento de novas tecnologias remete-nos designadamente para as tecnologias digitais, a inteligência artificial, as bioengenharias incluindo a engenharia genética, qualificadas por vezes como disruptivas. Disruptivas, por poderem conduzir a mudanças radicais com consequências porventura adversas para o ambiente e para a sociedade.

A abrir o debate, Manuel Mira Godinho referiu-se a três “clusters” de novas tecnologias das mais marcantes na atualidade: as tecnologias energéticas (particularmente, as energias renováveis, em foco quando uma prioridade passa a ser reduzir o CO2); as tecnologias da informação e da comunicação, e especificamente a inteligência artificial, com consequências problemáticas nos domínios do trabalho e do emprego (pense-se, por exemplo, no cenário dos veículos pesados sem condutor); as tecnologias no domínio da medicina e saúde (criando a expectativa do contínuo prolongamento da vida humana, que no final do século XX se situava já nos 80 anos quando no início do século não ultrapassava os 30 anos). Mira Godinho aludiu à aceleração histórica decorrente do progresso tecnológico, implicando crescente complexidade e do mesmo passo crescente incerteza. Novas oportunidades de desenvolvimento e acesso a bens e serviços a par de novos riscos acompanhados por vezes de desconfiança e resistência social. O facto de as dinâmicas do progresso tecnológico provirem predominantemente do capitalismo e do mercado suscita desafios regulatórios particularmente difíceis na atual era global.

Luís Moniz Pereira referiu-se em especial à inteligência artificial (IA), área em que foi pioneiro. Como conferir ética a máquinas cada vez mais autónomas, transmitindo-lhes a nossa ética? As aplicações da IA têm evoluído do reconhecimento de padrões e correlações entre dados ao domínio do cognitivo. Um problema grave diz respeito ao trabalho: os robots passarão a ser os novos escravos. É verdade que vêm sendo elaborados normativos visando regular essas aplicações, como os “Guidelines on the ethical use of IA”, mas a regulação tende na realidade a ser delegada nos auditores privados. É urgente pensar antes de agir: Moniz Pereira apelou à responsabilidade da universidade no esforço de reflexão (e na construção de um “cluster de ideias”) indispensável para que o progresso tecnológico seja acompanhado pelo progresso social.  Sugeriu a criação de uma Comissão Nacional de Ética para a IA.

António Betâmio de Almeida começou por recordar Miguel de Unamuno – “somos mais pais do nosso futuro do que filhos do nosso passado” – e a “História do Futuro” do Padre António Vieira, lembrando que a inquietação humana com o futuro e com as consequências da ciência e da técnica não é de hoje. Nemésio associou a era do átomo à ideia de crise do homem. Hoje, a crise climática põe em risco a própria sobrevivência da humanidade. Betâmio de Almeida frisou que a gravidade dos desafios exige reflexão e debate público. Das empresas, em especial das megaempresas, requer-se uma ética da responsabilidade tanto mais exigente quanto é crítico o impacto das aplicações tecnológicas. 

Maria do Céu Patrão Neves fechou as intervenções do painel expondo uma reflexão de natureza filosófica sobre as responsabilidades individuais e coletivas inerentes às invenções e às inovações tecnológicas. Questionou o mito da neutralidade axiológica da tecnologia encarada geralmente como um mero instrumento, seja do produtor, seja do utilizador. Pelo contrário, a tecnologia traz consigo uma intencionalidade. Como um sinal na direção certa citou o recente discurso da nova presidente da Comissão Europeia sublinhando a importância de articular tecnologia e valores, designadamente, a dignidade humana, a igualdade e a integridade, valores que deverão guiar quer o regulador, quer o produtor. Maria do Céu Patrão Neves acentuou a relevância da reflexão filosófica e ética como forma de encorajar o debate democrático. Este deverá envolver os diversos públicos, não ignorando as incertezas, os constrangimentos do mercado capitalista, a aceleração do progresso tecnológico e a necessária ponderação de oportunidades e riscos. Na linha das intervenções anteriores do painel, realçou a responsabilidade da universidade na dinamização deste debate.

Seguiu-se um animado debate com a assistência.

Maria Eduarda Gonçalves e Tiago Brandão
30 dez. 2019


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