Conheci Marguerite ouvindo-lhe os olhos e vendo-lhe a voz. Sempre me perturbou a sua letra que não era expressão de nada mas envólucro, como os panejamentos de seda ou lã fina que usava pela cabeça. Era uma coluna de mercúrio cinzenta e brilhante. Figura grega, mas também romana, por momentos a sua expressão era invadida por tempestades de areia.
É esta última Marguerite que guardo silenciosamente em mim. A que me deu a conhecer o cemitério dos 47 Rônins em Tokyo, a região das miragens no Kenya, e S. Martinho: “há seres através dos quais Deus me amou”. De todo este livro secreto se desprende uma vastidão indescritível: a das fotografias de Jerry Wilson e a das inesquecíveis traduções das Bem-aventuranças, do “Blowing in the wind” de Bob Dylan, de Confucio – “O homem bem nascido é calmo e espaçoso. O vulgar agita-se sempre”; do Tao-Te-Ching – “O que sabe não fala; o que fala é ignorante”.
Nascida há cem anos, Marguerite Yourcenar confunde-se em mim com Agrippa de Nettesheim: “alma de pé sem cair”.
Alberto Vaz da Silva