A VIDA DOS LIVROS
De 9 a 15 de Fevereiro de 2009
“Migrações e Participação Social – As Associações e a construção da cidadania em contexto de diversidade – o caso de Oeiras” de M. Margarida Marques, com a colaboração de Rui Santos e José Leitão (Fim de Século, 2008) é uma obra oportuna composta por um conjunto de ensaios de carácter sociológico, jurídico e político que dão uma perspectiva abrangente e compreensiva do associativismo migrante em Portugal a partir de um importante estudo de caso, que nos permite fazer extrapolações e retirar consequências no tocante à participação cívica e à mediação política em comunidades migrantes, que assumem na sociedade portuguesa contemporânea uma importância crescente como factores de inter-culturalidade, de diversidade e de coesão.
DIÁLOGO ENTRE CULTURAS – M. Margarida Marques é socióloga, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e investigadora do SociNova/Migrações e é a principal coordenadora do livro. A investigação que tem feito centra-se nas áreas da integração económica e política dos migrantes, com especial atenção para os imigrantes pós-coloniais. Rui Santos também é sociólogo e professor da mesma escola, com trabalhos publicados no mesmo domínio, e José Leitão é advogado, com longa experiência na área das migrações, tendo exercido, como se sabe, as funções de Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME, 1996-2002). Os textos tratam de diversos temas, com especial destaque para a Política, Estado Social e Participação dos Imigrantes, para as dinâmicas de participação local das populações migrantes, para o processo de institucionalização das associações de pessoas de origem imigrante, para a inclusão de imigrantes num contexto de sociedade civil fraca ou para a emergência de um novo campo de intermediação de interesses em ligação com o referido associativismo. É fundamental começar por dizer que a leitura desta obra é utilíssima permite uma reflexão não só sobre o fenómeno do diálogo inter-cultural e da integração social, mas também sobre a vida democrática, uma vez que é o cerne da participação social e da legitimidade cívica que está em causa. O estudo criterioso apresentado, ao longo dos diferentes ensaios, permite-nos compreender que a redistribuição social realizada pelo Estado não tem necessariamente um efeito de inclusão. Com efeito, a inclusão não resulta apenas nem da lei, nem da concretização das políticas públicas, exigindo ainda a articulação de interesses segundo as diferentes modalidades de representação. Usando as expressões subjacentes ao método de análise de Albert O. Hirschman, temos de compreender a necessidade de ligação entre a lealdade (que permite aos interessados ou aos representados dizer: “estão a cuidar de nós”) e a voz (que leva os representados a poder dizer: “temos de agir para obter respostas”). Impõe-se, no fundo, a compreensão de que o terceiro termo do modelo de Hirschman, a “saída”, tem de ser prevenido, para garantir que a participação social e a legitimação correspondam à mobilização das forças disponíveis, acreditando nas vantagens e na utilidade da partilha de responsabilidades e do encontro de instrumentos capazes, a um tempo, de realizar a coesão social, por contraponto à fragmentação, e de garantir que se estabeleçam os instrumentos de alerta que permitirão detectar sinais de alarme e pôr em prática providências estabilizadoras e integradoras. Daí a necessidade da complementaridade entre os canais informais e a participação formal, numa modelação recíproca, para o desenvolvimento de formas de participação democrática. É de insistir, por isso, nas virtualidades da investigação em causa para o debate mais amplo, mas actualíssimo, sobre a necessidade de aperfeiçoamento da democracia. Afinal, apenas pode haver uma participação eficaz e justa, se houver tempo, reflexão e mediação na comunidade que consideramos. Não há participação actuante sem durabilidade e sem estabilidade, o que obriga a consideração permanente do tempo, como condição estruturante da intervenção cívica. É preciso tempo para decidir e é fundamental que essa consideração permita a antecipação dos problemas e a sua adequada prevenção. Por outro lado, é indispensável que o associativismo conduza a uma reflexão permanente sobre as condições de vida e sobre a dinâmica de transformação dos fenómenos sociais. Um associativismo eficaz deve, pela ponderação de interesses e valores, mobilizar a participação, garantir a representação, antecipar os novos problemas e garantir a mudança. A mediação institucional é, por fim, garantia da legitimação cívica, do diálogo social e da referida modelação recíproca das diversas formas de participação. A legitimidade democrática exige a articulação efectiva entre participação e representação, de modo que as instituições não sejam capas formais, mas sim factores vivos e actuantes de um diálogo eficiente e de uma cidadania activa.
OBRA DE ANÁLISE E PEDAGOGIA. – Se o estudo do caso de Oeiras permite conhecer e compreender uma realidade complexa em mutação, com inequívocas virtualidades para o entendimento das virtualidades da participação, não é menos verdade que há no conjunto destes estudos e ensaios um desafio pedagógico lançado ao movimento associativo, e esse é o que visa perceber que estamos num contexto de sociedade civil frágil, o que obriga a ter a preocupação permanente de actualizar projectos e factores de mobilização, para que os canais informais e a participação formal se tornem factores dinâmicos de permanente actualização das dinâmicas de representação. “Os novos padrões nas migrações internacionais, a intensificação dos processos de compressão espaço-tempo e uma cada vez maior interligação dos mercados nacionais num espaço económico global têm desvendado não apenas um cenário de desigualdades hemisféricas crescentes, mas também um aumento significativo da complexidade, não apenas burocrática, das sociedades em que vivemos” – diz-nos M. Margarida Marques. Daí a necessidade crescente de uma análise multidisciplinar do problema da imigração e da consideração das políticas públicas nesse âmbito, abrangendo não apenas a integração na sociedade de destino, mas também a cooperação para o desenvolvimento nos países de origem. A democracia, para se afirmar e consolidar, tem, no fundo, de assumir não apenas uma expressão política e cívica, mas também económica, social e cultural.
NOVAS «VOZES». – Ainda no dizer da principal autora: “Estando o papel de representação das associações aparentemente canalizado para a esfera da articulação de interesses, no que respeita à distribuição (o Estado social), e enquanto a participação na esfera político-partidária nunca deixou de assumir uma expressão significativa, a produção cultural parece, assim, afirmar-se como um veículo importante de criação e vocalização de posições comuns – com potencial de intervenção pública”. E importa compreender que os protagonistas dessas “vozes públicas” são pessoas qualificadas, capazes de uma manipulação e produção eficaz de símbolos, ora como intermediários de duas culturas distintas, ora como agentes de reivindicação de um espaço. E o certo é que ambos os papéis são fundamentais, sendo desempenhados em contexto formal ou informal. O fundamental é que haja ligação efectiva entre a lealdade e a voz. Urge, afinal, saber ligar a verdadeira consideração “estão a cuidar de nós”, com todas as suas consequências (de coesão e de confiança), com a ideia de que “temos de agir para obter respostas”, como modo de afirmação da cidadania activa e de um modo eficiente de organização democrática. E assim “as transformações sociais que acompanham as migrações tenderão a encontrar caminhos para se expressar de uma forma ou de outra”, isto é, informal ou formalmente. Importa, pois, aprender a ouvir o que dizem as vozes representativas e actuantes. Só a partir dessa compreensão poderão lançar-se as bases da legitimidade democrática e da coesão social, económica e cultural. Desse modo, a sociedade aberta ou a poliarquia mais não pretende ser do que a manifestação permanentemente actualizada de equilíbrios sociais, em que a conflitualidade e a diferenças devem ser permanentemente reguladas em nome dos direitos e responsabilidades inerentes a um modelo actuante de diálogo social e de justiça distributiva.
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Guilherme d’Oliveira Martins