A VIDA DOS LIVROS
de 16 a 22 de Setembro de 2013
Krzysztof Michalski (1948-2013) deixou-nos como última obra «The Flame of Eternity, An Interpretation of Nietzsche’s Thought» (Princeton University Press) que constitui um corolário de um vida de pensamento e ação, que merece ser recordada.
A PROCURA DO DIÁLOGO
Michalski foi um dos filósofos polacos contemporâneos mais influentes no pensamento europeu do pós guerra fria, tendo fundado, na cidade de Viena, o Institut für die Wissenschaflen vom Menschen (IWM) em 1982. Nascido em Varsóvia, estudou filosofia na Universidade da sua cidade natal, tendo-se doutorado em 1974 com a tese sobre «Heidegger e a Filosofia Contemporânea». Dotado de um espírito aberto e cosmopolita, esteve na Alemanha como Humboldt Fellow (1977), em Heidelberg como Thyssen Fellow (1982) e frequentou o Colégio Churchill de Cambridge (1983), obtendo a agregação em Varsóvia com o estudo «Logic and Time» («Lógica e Tempo»). A partir de 1987 ensinou em Boston, regressando a Varsóvia em 1994. No Instituto de Viena foi a grande alma e chegou ao cargo de Reitor, função que exercia quando morreu. O objetivo da instituição que criou e animou é a promoção das trocas intelectuais entre o Ocidente e o Leste, entre a Academia e a sociedade e entre uma multiplicidade de escolas de pensamento – em nome de uma sociedade de pessoas. Aquando do alargamento a leste da União Europeia foi consultado em diversas ocasiões, presidindo designadamente ao grupo de reflexão «A dimensão espiritual e cultural da Europa» (2002-2004), tendo sido agraciado como o prémio Theodor Heuss (2004). Lembrando Thomas Morus, Michalski considerava-se um praticante da «philosophia civilior» ou filosofia civil, que visava refletir sobre as respostas da sociedade à evolução das realidades históricas e políticas.
«COMO SE FOSSEMOS JÁ LIVRES»
Estamos perante alguém que pertenceu à linhagem intelectual de Leslek Kolakowski, apesar de ser de uma geração diferente, tendo-se aproximado também dos fenomenologistas como Jozef Tischner e Jan Patocka. Foi em 1980, na cidade de Dubrovnik, a antiga Ragusa, num seminário de Hans-Georg Gadamer, que Michalski teve a ideia de fundar o Instituto de Estudos Avançados para pôr em contacto pensadores democráticos do leste europeu e os pensadores ocidentais, preparando o tempo, que viria inexoravelmente, de abertura europeia no fim da guerra fria. O diálogo intelectual e a amizade centrados no conhecimento e na compreensão mútua constituiria um método fundamental para lançar os fundamentos de um novo pensamento europeu assente na dignidade humana. Na mesma linha de Vaclav Havel e de Adam Michnik, o pensador polaco entendia ser necessário começar a viver como se «fossemos já livres». No entanto, naturalmente, não bastava falar de sociedade civil, sobretudo quando não havia instituições de enquadramento – por isso, seria indispensável inteligência na ação e multiplicação de contactos úteis e necessários. Assim, Michalski pôde obter apoios alemães e austríacos e até de personalidades tão diferentes como George Soros e o Papa João Paulo II. Com Cornelia Klinger e Klaus Nellen criou, assim, na capital austríaca um grupo de investigação e pensamento. A cidade escolhida não o foi por acaso. Era importante que fosse um País com um estatuto internacional especial, para facilitar os entendimentos e os procedimentos – a cidade do «Terceiro Homem» de Orson Welles e Graham Greene.
COMEÇAR COM JAN PATOCKA
Assim se iniciou a recolha e divulgação da obra de Jan Patocka, signatário da Carta 77, falecido nesse mesmo ano de 1977, em condições nunca esclarecidas, ligadas ao interrogatório policial. Uma obra que era apenas conhecida em meios restritos passou a ter curso no continente europeu e nos Estados Unidos. Entretanto, em articulação como o Papa João Paulo II organiza os Encontros de Castelgandolfo sobre as relações entre fé e razão, pondo em contacto experiências diversas com evidentes complementaridades – ciência, filosofia, história, sociologia… Por outro lado, apoiou o importante projeto de Tony Judt intitulado «Postwar» (2000). Para quem o conhecia pessoalmente, era uma figura inteligente e cativante, conciliador e determinado: a sua eficácia organizativa era servida por um carisma e uma grande capacidade de comunicação, por um elevado sentido de humor e uma energia inesgotável. O fundamental era criar um espaço livre de discussão de ideias, uma rede de contactos, que permitisse prevenir as tentações que a cada passo têm sido sentidas para a radicalização ora das identidades fragmentárias ora dos saudosismos burocráticos. O seu último livro obriga-nos a pensar profundamente. Em «The Flame of Eternity» Michalski parte de uma reinterpretação do pensamento de Nietzsche, segundo o paradoxo: «esta vida, a nossa vida eterna». Preocupava-o a noção de Eternidade, como elo entre o que passou e o que há de vir, entre o passado e o futuro – entre o eu e o outro. Como afirmou Cornelia Klinger: continuámos a sonhar o sonho original, em espacial iluminar as cabeças e os corações dos cidadãos e fazer da sociedade um lugar melhor. Charles Taylor, que correspondeu ao desafio de Michalski para estudar os temas do secularismo e dos seus limites, afirma que foi deixado um vazio difícil de preencher, uma vez que o seu método de fazer as pessoas dialogar era único. Oiçamo-lo numa das suas últimas mensagens: «Love reveals an unnamed, as yet unknown identity within me, and within you. In this way, it also brings to light the common condition that we – people, these animals sick with eternity – all share».
Guilherme d’Oliveira Martins