A VIDA DOS LIVROS
de 5 a 11 de Dezembro de 2011
Um dos livros mais importantes sobre a Restauração de Portugal de 1640 é a “História de Portugal Restaurado” da autoria de D. Luís de Menezes, Conde de Ericeira (1632-1690). Teve numerosas edições e foi republicado com a grafia e pontuação atualizadas, por António Álvaro Dória (1902-1990), em 1945 e 1946, na Editora Civilização, em 4 volumes. É uma obra de grande interesse sobre um período difícil de estudar e interpretar. A sua leitura deve ser feita como uma meditação sobre as circunstâncias existentes, tornando-se necessário compreender como Portugal no final do século XVI e no século XVII respondeu aos desafios de um mundo em profunda mudança.
Armas de Portugal no Forte de Santiago do Outão (Setúbal).
CAUSAS DA DECADÊNCIA
Continuando a ler a obra de que falámos há quinze dias («História Económica de Portugal (1143-2010)» de Leonor Freire Costa, Pedro Lains e Susana Münch Miranda, Esfera dos Livros, 2011) poderemos tentar perceber Portugal, para além de alguns lugares comuns repetidos, mas que as análises cuidadas não confirmam. Afinal, a decadência do final do século XVI é muito complexa, não tendo apenas raízes internas. De facto, a União Dinástica teve efeitos positivos e negativos, que foram agravados pela tentação centralista do Conde Duque de Olivares e pela Guerra dos Trinta Anos. Contudo, até 1620 houve efeitos económicos favoráveis, devido à complementaridade territorial e às potencialidades económicas, contrariados drasticamente pela influência mundial crescente de holandeses e ingleses, que puseram termo ao domínio português da rota do Cabo. Vamos, no entanto, um pouco atrás, para compreender melhor. Enquanto na monarquia agrária medieval portuguesa se destacou a venda, fora dos mercados nacionais, de produtos como as uvas, os figos secos algarvios, algum vinho e o sal, que deu a Setúbal proeminência como porto de exportação por excelência, o império dos séculos XV e XVI acrescentou a distribuição de mercadorias provenientes de outros continentes ao nosso comércio externo. A baldeação de produtos provenientes de África e depois do Índico nos portos portugueses destinados à Europa permitiu a cobrança de importantes receitas aduaneiras, que constituíram a base do que a obra designa (e bem) como Estado fiscal. Assim se chegou ao monopólio ou exclusivo da pimenta e das especiarias. O ciclo do açúcar, iniciado na Madeira, abriu caminho ao comércio de um bem com grande procura e gerador de apreciáveis rendimentos. Depressa, porém, S. Tomé e o Brasil se imporiam como produtores por excelência, com preços mais favoráveis, apesar das medidas protecionistas (quotas de mercado) do duque de Viseu em relação à Madeira. Em cerca de cem anos o Brasil tornar-se-á o maior exportador mundial de açúcar – e o Atlântico começará a afirmar-se no âmbito do império português, além do açúcar, pelo ouro e pelos escravos. A escravatura começa por se centrar a norte do Equador, só se tornando significativa a ligação Angola / Brasil no século XVII. Cabo Verde abastece, como entreposto, mão-de-obra vinda da costa da Guiné, não só para as ilhas atlânticas, mas também para a Índias espanholas. E em S. Jorge da Mina ocorre não só a compra mas também a venda de escravos, para obtenção de ouro. Falando de ouro ainda, importa dizer que em princípios do século XVI os réditos do açúcar eram equivalentes aos do metal precioso, com ligeira vantagem para este. E assim se ia reajustando o centro de gravidade do império.
O CAMINHO DA ÍNDIA
Depois de 1498 e da viagem de Gama, a ligação regular entre Portugal e o Índico vai incrementar os lucros do reino, em virtude do trafego da pimenta a preços muito favoráveis para os mercados europeus. Ao longo do século XVI, verifica-se, porém, uma descida da quantidade de pimenta transacionada, ainda que os rendimentos nominais não tenham registado quebra significativa, em virtude de a segunda metade do século ter sido caracterizada por uma acentuada alta nos preços e consequente depreciação monetária. É de salientar, aliás, a tendência verificada na década de 1580 para uma prevalência do comércio do Atlântico e em especial do Brasil, por comparação com os fluxos do Índico. Desse modo, estava-se a preparar já a transição para um império atlântico, diferente do que antecedera a chegada de Vasco da Gama à Índia. Houve quebra nas importações de pimenta e redução dos respetivos preços. Refira-se a degradação da qualidade das embarcações e a sobrecarga das mesmas, que reduziu a eficácia do transporte e induziu a diminuição das compras e vendas, na transição dos séculos XVI para XVII. Em teoria, navios maiores poderiam transportar uma quantidade maior de mercadorias, mas as possibilidades de naufrágio aumentavam significativamente para eles, como grandes perdas. No entanto, a Carreira da Índia manteve-se estável até 1620, considerando não só o monopólio da coroa na pimenta, mas também o comércio de particulares, em especial no que tocava aos têxteis asiáticos. As receitas do Índico compensavam as importações necessárias ao pagamento das transações imperiais (apesar do fim da feitoria de Antuérpia). O resgate do ouro em S. Jorge da Mina obrigava à provisão de panos norte-africanos, linhos, objetos de cobre e latão. Por seu turno, o comércio da pimenta e das especiarias exigia um «cabedal» constituído por metais e têxteis italianos e valencianos. A prevalência do transporte não permitiu, porém, que Portugal desenvolvesse industrias e manufaturas que reduzissem o peso das importações vindas do norte da Europa e do Mediterrâneo, o que fragilizou a nossa estrutura económica. Se recordarmos o dilema formulado por António Sérgio, na linha da Geração de 70, entre fixação e transporte, percebemos que há elementos dessa análise cuja pertinência se mantém. Os autores têm, porém, o cuidado de não seguir a pista segundo a qual a derrota de Alcácer-Quibir foi um fim.
CONSEQUÊNCIAS DA UNIÃO PESSOAL
A União Dinástica, a partir de 1580, potenciou a complementaridade entre as monarquias ibéricas com efeitos mútuos benéficos. Por outro lado, o incremento da produção brasileira do açúcar, reforçou a frota portuguesa, apesar de haver uma tendência para holandeses, franceses e ingleses ganharem importância crescente. Se é verdade que nas Cortes de Tomar foram salvaguardados os elementos de independência, com relevância para os rendimentos e monopólios ultramarinos, a verdade é que a política dos Habsburgos veio afetar seriamente a economia portuguesa. Os conflitos dos Áustrias levaram a que o império português fosse atacado por holandeses, ingleses e franceses, com o pretexto do conflito que tinham com o Sacro-Império. É verdade que a decadência da «Carreira da Índia» vinha de 1570, agravada por desinteligências e «fumos», inerentes a um império muito extenso, com grandes dificuldades de coordenação e governança, no entanto Portugal irá sofrer sobretudo por força do envolvimento no grande conflito europeu que culminará na Guerra dos Trinta Anos (1628-1658). Holandeses e ingleses (e menos os franceses), agindo segundo a conceção de «Mare Liberum» de Hugo Grócio, conduziram a que os navios portugueses perdessem o controlo da rota do Cabo. O sistema atlântico assentava no açúcar e nos escravos, vindos também de Angola. Se o eixo de gravidade ainda pendia para a Ásia em finais do século XVI, a verdade é que «despontava um complexo económico capaz de dilatar as receitas da monarquia e dos particulares». Daí o crescimento nominal da receita alfandegária até 1607. Assim, as rendas no núcleo asiático darão lugar à importância crescente da economia brasileira, graças aos bandeirantes e aos engenhos do açúcar.
Guilherme d’Oliveira Martins