A VIDA DOS LIVROS
de 16 a 22 de Maio de 2011
«Londres em Paris – Eça de Queirós e a Imprensa Inglesa» de Teresa Pinto Coelho (Colibri, 2011) corresponde a uma leitura anglófila do percurso do autor de «Os Maias». Tudo começa por uma factura emitida em 1 de Abril de 1892 pela Livraria Galignani da Rue Rivoli. Partindo desse documento, a autora procede a um estudo de grande interesse e curiosidade sobre a influência da imprensa vitoriana na concepção e elaboração da «Revista de Portugal» e do «Suplemento Literário da Gazeta de Notícias», do Rio de Janeiro, bem como no projecto de “O Serão”. Eça aparece-nos fascinado pela cultura e literatura inglesas, apesar de estar em Paris e de ser tido por afrancesado. Tudo isto poderá parecer paradoxal, mas não o é, uma vez que o romancista assume, afinal, uma atitude muito comum entre os portugueses – de proximidade cultural com a França e de admiração genuína pela Velha Albion… Leia-se, por exemplo, o que Oliveira Martins diz, exactamente na “Revista de Portugal”, sobre “Os Filhos de D. João I” e sobre a costela inglesa destes. O certo é que este delicioso «Londres em Paris» permite compreendermos bem que a «nossa Europa» tem uma raiz ambivalente.
John Singer Sargent, In the Luxembourg Gardens, 1879.
CUIDAR DO COSMOPOLITISMO
A investigação parte da preocupação de Eça de Queirós de criar uma opinião pública letrada e cosmopolita, através da criação de revistas modernas, que seguissem as pisadas do melhor que se fazia na Europa. Esta ideia é, aliás, partilhada pela Geração de 1870, que assumiu claramente uma vocação pedagógica, evidente desde os primórdios, não só com Antero de Quental, mas também com a «Biblioteca das Ciências Sociais» de Oliveira Martins. Sabemos, por isso, que o programa da «Revista de Portugal», idealizada e realizada por Eça, visava alargar, «para além da França (nossa exclusiva escola e único socorro do nosso espírito), as fontes das noções e das emoções», fazendo-nos «aproveitar do que as duas grandes nações pensantes, a Inglaterra e a Alemanha (outras ainda, mesmo a nossa vizinha e progressiva Espanha), tão desconhecidas todas entre nós, têm mais recentemente produzido no exercício das letras, e obtido na conquista da erudição». Era o tempo em que recebíamos as grandes ideias e os grandes debates através de Paris, e em que essa influência marcava indelevelmente o que entre nós se fazia. Lembremo-nos da referência irónica à revista idealizada por Carlos da Maia e João da Ega, muito afrancesada, à imagem e semelhança da “Revue des Deux Mondes”. Contudo, Eça, como os seus amigos, entendia ser fundamental pôr o coração de Portugal ao ritmo da Europa. E nessa linha o francesismo seria insuficiente. É certo que houve significativas projecções entre nós da evolução política e intelectual francesa, com destaque para as repercussões da Revolução de 1789, mas também para as influências ambíguas das invasões napoleónicas que deixaram, para além da resistência política, a força das ideias da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Isto, para não falarmos das influências óbvias da Monarquia de Julho (1830) no alento à causa da regência de D. Pedro, e da Primavera dos Povos de 1848 no incentivo à causa da Regeneração (1851). E não poderemos compreender as Conferências do Casino Lisbonense sem pensar na Comuna de Paris (1871) e sem cuidar do peso do naturalismo ou do realismo francês na renovação literária assumida por Eça de Queirós no Largo da Abegoaria.
NOVOS VENTOS E INFLUÊNCIAS
Mas, se esses acontecimentos franceses foram relevantíssimos, a verdade é que os próceres dessa «Geração magnífica» depressa perceberam que os mundos anglo-saxónico e germânico teriam a maior importância nos novos ventos que sopravam. E na verdade não se estava perante um fenómeno novo, uma vez que os românticos, como Garrett e Herculano, também tinham dado uma especial atenção às influências anglófilas e germânicas, para além da francesa. E dizia o Programa da “Revista de Portugal”: “já um escritor inglês disse que as revistas inglesas habilitavam a Inglaterra a dar anualmente ‘um balanço à sua civilização’. Desse balanço sai a mais salutar das lições, a mais eficaz das regras. E assim uma revista pode verdadeiramente operar como consciência escrita de uma nação”. E Eça preocupa-se com a isenção, a serenidade, a objectividade e a distância de qualquer paixão para a escrita de uma revista à inglesa. Como disse um dia a Teófilo Braga: “Esta larga imparcialidade tem sido a linha de conduta ultimamente adoptada pelas Revistas inglesas – que com ela se têm dado excelentemente” (1888). E em 1890, José Maria é claríssima perante o jovem Luís de Magalhães: “Vamos imitar as revistas inglesas”. Não podemos surpreender-nos assim com o entusiasmo, justo e adequado, de Teresa Pinto Coelho relativamente a este veio por si explorado. Eça é menos afrancesado do que se julgava? Talvez não seja essa a resposta, mas outra: o romancista e homem de cultura português, fazendo parte da plêiade que queria ver o coração do Portugal culto a bater ao ritmo da Europa, compreende que tem de abrir horizontes de criatividade e exigência, indo ao encontro das grandes nações pensantes. Veja-se, por exemplo, o contributo relevantíssimo de Jaime Batalha Reis nos domínios da ciência, música e arte. Razão tem, aliás, a autora, para afirmar que muitas vezes se menospreza o papel do futuro embaixador de Portugal na Rússia, apesar de ser na sua Geração um dos elementos mais relevantes: pela lucidez crítica, pela capacidade de compreender os valores duráveis e pelas suas qualidade de estudo e de conhecimento.
UMA LISTA ILUSTRATIVA
Ao lermos a lista da factura da Galignani encontramos jornais de informação (Times, Standard e Daily News), semanários (Spectator, Graphic, St. James Budget), jornais artísticos, literários e científicos (Literary World, Art Journal, Musical Times, e Nature), revistas inglesas (Saturday Review, Contemporary Review, New Review), magazines (Longman, Cassell, Chambers e Rare Bits), periódicos americanos (Atlantic, Scribner, St. Nicholas) e revistas científicas francesas (Nature, Science Illustrée). Percebe-se bem a importância da secção da “Revista de Portugal” intitulada “Ideias e Factos” (uma Revista de Revistas). Aí eram publicadas recensões de artigos saídos em revistas inglesas, francesas, americanas e espanholas, que permitia, a um tempo, ter presença internacional, pela inserção da opinião letrada portuguesa nos grandes debates, promovendo um diálogo entre os portugueses e os outros europeus. Se é facto que os resultados da “Revista de Portugal” ficaram aquém do desejável, se os confrontarmos com os projectos iniciais, não é menos certo que Eça tentaria lançar outra iniciativa que tinha como modelo o magazine britânico – falamos de “O Serão”, delineado sobre “The Idler”, onde escreveu Conan Doyle. A preocupação era a de encontrar um magazine de informação e ideias, para as famílias, que pudesse ter sucesso editorial e veicular uma perspectiva moderna do país, da literatura, da política, da economia e da sociedade. O projecto não teve êxito, apesar da motivação e empenhamento do jovem Alberto de Oliveira. Mas importa reter a conclusão de Teresa Pinto Coelho: “Se a Revista (de Portugal) se destinara, como as Conferências do Casino, a aproximar Portugal da Europa culta, o objectivo do ‘Suplemento’ era apresentar aos leitores brasileiros um panorama condensado dos principais acontecimentos culturais, políticos e científicos europeus”. A partir das revistas compradas na Rue de Rivoli (e de outras que chegam), Teresa Pinto Coelho faz uma investigação aprofundada, reunindo um conjunto relevante de elementos complementares entre si, que permitem uma reflexão profunda sobre a atitude de Eça sobre a cultura europeia. Assim, TPC desenvolve o tema da anglofilia queirosiana, na linha estimulante do seu texto fundamental “Apocalipse e Regeneração” e da obra de assinalável segurança e vitalidade que tem continuado a produzir – inserindo Eça de Queirós “no contexto que lhe é devido: um europeu da sua época profundamente influenciado (e seduzido) pela imensidão, pujança e originalidade da cultura inglesa, que, in loco, não sem deslumbramento, lhe foi dado estudar e vivenciar”.
Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões na Renascença