A Vida dos Livros

A VIDA DOS LIVROS

Acaba de ser publicado o segundo volume da epistolografia de Alberto Sampaio – “Correspondência, volume II, Cartas de Alberto Sampaio”, edições Húmus, 2009, organização, introdução e notas de Emília Nóvoa Faria e António Martins. Estamos perante as cartas escritas pelo próprio, num interessante acervo, onde se nota o carácter multifacetado do autor, que se dirige a algumas das personalidades mais marcantes do seu tempo. Estamos, assim, em face do complemento das cartas recebidas pelo historiador de Boamense, o que nos permite, não só seguir o percurso de vida de Sampaio, mas também reconstituir o seu diálogo com a intelectualidade do seu tempo.

A VIDA DOS LIVROS
de 21 a 27 de Setembro de 2009


Acaba de ser publicado o segundo volume da epistolografia de Alberto Sampaio – “Correspondência, volume II, Cartas de Alberto Sampaio”, edições Húmus, 2009, organização, introdução e notas de Emília Nóvoa Faria e António Martins. Estamos perante as cartas escritas pelo próprio, num interessante acervo, onde se nota o carácter multifacetado do autor, que se dirige a algumas das personalidades mais marcantes do seu tempo. Estamos, assim, em face do complemento das cartas recebidas pelo historiador de Boamense, o que nos permite, não só seguir o percurso de vida de Sampaio, mas também reconstituir o seu diálogo com a intelectualidade do seu tempo.




 
QUE PERSONALIDADE? 
Nascido em Guimarães, a 15 de Novembro de 1841, foi colega de Antero de Quental na Universidade de Coimbra, onde frequentou a Faculdade de Direito (1858-1863). Aí foi um dos mais activos participantes nos movimentos académicos e culturais animados pelo poeta de “Odes Modernas”. Uma vez saído bacharel, tentou a advocacia em Lisboa, mas depressa sentiu necessidade de regressar ao seu Minho, onde passaria o resto da vida, na Quinta de Boamense, em Famalicão. Participa na acção da filial de Guimarães das Associação Arqueológica de Lisboa, envolve-se na fundação da Sociedade Martins Sarmento, assumindo-se como “gentleman farmer”, muito conhecedor da vitivinicultura, em especial no tocante aos vinhos verdes e claretes, produzidos na sua Quinta. Em 1884 estuda o fenómeno vitivinícola no Minho e desempenha as funções de director técnico das 1ª Exposição Industrial de Guimarães. Estudioso da história e da economia, colabora activa e extensamente com Oliveira Martins e com o grupo da “Vida Nova” e no jornal “A Província”, em especial na elaboração do “Projecto de Lei de Fomento Rural e Emigração” de 1887. No seu labor de rigoroso estudioso e investigador de História publicará duas obras fundamentais – “Vilas do Norte de Portugal” e “As Póvoas Marítimas do Norte de Portugal”, esta última incompleta, onde se nota o carácter pioneiro no campo da historiografia económica. Morreu a 1 de Dezembro de 1908, em Boamense, cabendo a Luís de Magalhães a publicação de “Estudos Históricos e Económicos” (1923), onde se encontra o essencial da obra do hoje reconhecido como um dos grandes historiadores do seu tempo. Neste volume de correspondência, temos 303 cartas, das quais 229 inéditas, que têm 16 destinatários, concentrando-se fundamentalmente no último período de vida do autor. São destinatários: Luís de Magalhães (153 cartas, das quais 128 inéditas), Jaime Magalhães de Lima (70, todas inéditas), Rocha Peixoto (18), Oliveira Martins (14), João de Oliveira Guimarães, Abade de Tagilde (11), José Leite de Vasconcelos (10, todas inéditas), José da Cunha Sampaio (9, todas inéditas), Joaquim de Araújo (6, sendo 4 inéditas), Bento Carqueja (3, todas inéditas), Martins Sarmento (2), Pinto Osório (2), Vasconcelos Abreu (1 inédita), C. Boulanger (1 inédita), João Gomes de Abreu Lima (1 inédita), Vitória Oliveira Martins (1 inédita) e Joaquim de Vasconcelos (1 inédita). O conjunto das epístolas enviadas aos dois primeiros destinatários deixa mais evidente o vazio encontrado na correspondência recebida por Alberto Sampaio, uma vez que não foi possível ainda encontrar a maior parte das cartas de Luís de Magalhães e de Jaime Magalhães de Lima, de quem nos chegaram apenas 5 e 2 cartas, respectivamente, como já dissemos na recensão ao primeiro volume (A Vida dos Livros, de 17 a 23 de Novembro de 2008).


UM ESPECTADOR COMPROMETIDO
Ao longo da vasta correspondência nota-se a força de uma personalidade discreta, que nunca desejou andar nas bocas do mundo, mas que não regateou esforços na defesa das suas causas (sobretudo de âmbito regional ou local). Esse pendor activista já fora notado, ao lado de seu irmão José, em Coimbra com o jovem Antero de Quental. Encontramos, assim, o cidadão empenhado (como no caso do conflito entre Braga e Guimarães, em que se envolveu com Oliveira Martins: “para mim é hoje fora de dúvida que as nossas negociações foram contaminadas por uma grande intriga política. As únicas pessoas de boa fé neste negócio éramos nós e uma dúzia de amigos meus aqui”); mas também o agricultor informado e competente (várias cartas o demonstram, a propósito de diversas culturas e experiências); ou o homem de cultura (informado, conhecedor, atento ao que o cerca, leiam-se, por exemplo as cartas a Rocha Peixoto, Martins Sarmento e Leite de Vasconcelos). Mas há ainda o homem político (amigo de Oliveira Martins e depois de João Franco). Leia-se uma carta de 1892, a Luís de Magalhães: “Céptico, excêntrico, cada vez mais separado do mundo, nada tenho que fazer em Lisboa, como representante de quaisquer eleitores. Há alguns anos talvez fizesse um esforço para corrigir a minha natureza; hoje – trop tard. Não assim os meus amigos. São novos, no fundo do seu coração ainda existe uma esperança, estão acostumados à vida social, podem pois aceitar. Eu é que estou em condições diferentes, por isso apresento a minha escusa ao Oliveira Martins” (10.4.92). Curiosamente, muda de assunto e passa a falar dos seus trabalhos sobre as “Vilas”. Mas, numa outra carta de 1906, aquando do governo de João de Franco, diz a Jaime Magalhães de Lima: “O nosso Luís lá está nos Estrangeiros: e o meu amigo governador civil de Aveiro? O descanso que tanto apetece é para si, como a miragem que se desfaz à medida que nos aproximamos. Mas isto não me parece que seja só fado seu: pelo contrário o mesmo é sempre parta os nossos mais veementes desejos. O melhor afinal é aceitarmos as coisas, como elas são. O ministério tem-me feito excelente impressão: e até por fortuna foi recebido na ponta das espadas das gazetas monárquicas sindicateiras e das republicanas obstrucionistas, Homogéneo, constituído por homens sãos, de capacidade e decididos, estou convencido que terá uma longa e próspera vida. A não retribuição aos secretários, por falta de verba orçamental, mostra a resolução de seguir um caminho novo, oposto ao dos governos anteriores. Continuando assim, dentro em pouco, tudo entrará na melhor ordem, sem necessidade de terramoto” (22.5.1906). Sabemos que Sampaio enganar-se-ia redondamente. Os terramotos viriam, sem apelo nem agravo. Mas o significativo nesta carta não é o seu carácter profético (que o não tem), o que se pretende é demonstrar o interesse de Alberto Sampaio pela coisa pública, independentemente de um envolvimento ou de um compromisso público. Cidadania, agricultura, cultura, política – e, finalmente, a historiografia económica e a arqueologia. As cartas revelam o escrúpulo do cientista, a genuína capacidade do investigador, o amor pelos temas de que se ocupa, sem, no entanto, se deixar obnubilar pelo interesse e pela entrega.


POUCO CONHECIDO NA GERAÇÃO DE SETENTA
“Com a perda do Antero e do Oliveira Martins, apagaram-se dois astros do nosso firmamento moral; que fazer, senão resignarmo-nos com o fatum que os levou e deixar que a saudade os conserve sempre vivos na nossa memória, como se eles de facto existissem! Renovemos, pois, consoante me diz na sua carta, aquele estreito abraço, que trocámos há perto de três anos, quando o Antero nos deixou” (1.9.1894). Nesta carta a Luís de Magalhães sob o efeito imediato da notícia da morte de Oliveira Martins, Alberto Sampaio assume claramente a camaradagem e o espírito da geração de 1870. É certo que participou à distância, que não teve a notoriedade dos seus colegas e amigos, no entanto não pode haver dúvidas de que no campo em que singularizou, a História Económica, ou no empenhamento cívico (a “Vida Nova”, a renovação do Partido Progressista do Porto), representou nitidamente a opção moderna, aberta, social e cosmopolita dos seus colegas e amigos – na linha do impulso anteriano, primeiro em Coimbra, e depois em Lisboa nas Conferência…



E oiça aqui as minhas crónicas na Renascença.
                                                                    Guilherme d’Oliveira Martins 


 

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