A Holanda, a Suécia, a Irlanda, a Bélgica e a Escócia lançaram as primeiras iniciativas – e em 1991 as Comunidades Europeias decidiram envolver-se ativamente na iniciativa, adotando a designação de Jornadas Europeias do Património, que envolvem hoje mais de 50 países signatários da Convenção Cultural Europeia de 19 de dezembro de 1954. Portugal assumiu a partir dos anos noventa um papel fundamental no tocante às jornadas, em virtude da intervenção muito ativa de Helena Vaz da Silva, que assumiria a coordenação europeia da iniciativa, função em que lhe sucedi, no momento em que nos deixou prematuramente. Essa experiência fundamental, com o escritório de ligação em Lisboa no Centro Nacional de Cultura (2001-2005), abriu caminho à nova Convenção Europeia sobre o valor do Património Cultura na Sociedade Contemporânea, assinada em Faro em outubro de 2005 (cf. “Património, Herança e Memória”, Gradiva, 2009), que é tributária da experiência notável e multifacetada das Jornadas e completa as Convenções de La Valetta, Granada e Florença. O que está em causa é a importância da relação do património cultural com os direitos fundamentais e a democracia. A partir do conceito de património comum valoriza-se a ideia aberta de identidade cultural centrada na cultura da paz. Importa compreender a noção de património ligada a relações de troca, de respeito e de mútua compreensão entre sociedades e comunidades, encorajando os cidadãos a considerar o património como um dever presente e futuro capaz de reconhecer objetos e lugares não como fins em si mas como marca de sentido e de reconhecimento dos valores éticos e cívicos da humanidade.
A memória e a herança comuns obrigam a uma clara partilha de responsabilidades, no sentido da exigência, da qualidade, da atenção, do cuidado e da preservação. Nesse sentido, a cooperação é incentivada, a complementaridade é promovida e o sentido cívico do património cultural é assumido – mercê do aperfeiçoamento científico, da promoção do estudo do património cultural, da avaliação dos planos de ação desenvolvidos, da mobilização da sociedade civil e de uma lógica não conservacionista, mas de compreensão do património cultural como um dever de sempre. Eis por que razão as iniciativas das Jornada Europeias do Património constituem um desafio permanente ao melhor conhecimento do que recebemos das gerações que nos antecederam, mas também à abertura de novas horizontes, no sentido da promoção de roteiros culturais, de redes de instituições empenhadas na preservação do património cultural e de cadeias de solidariedade que permitam a ligação do conhecimento histórico à coesão social e à sustentabilidade e qualidade de vida. Visitar um monumento ou uma peça de arte, conhecer melhor as comunidades, estudar a História, valorizar as Humanidades, cuidar das tradições, preservar o artesanato, conhecer e valorizar as paisagens, tornar as cidades lugares aprazíveis e humanos, proteger a natureza, cuidar dos jardins, salvaguardar os arquivos, as bibliotecas e o património digital, integrar a criação contemporânea, designadamente nas intervenções urbanísticas e arquitetónicas – tudo isto nos obriga a corresponder ao desafio de assumir que o património cultural não é um acervo do passado, mas uma responsabilidade presente e futura – em suma, um serviço público, para que aponta a palavra múnus que compõe o termo de origem latina, que nos deu o património.
Assim se poderá compreender a preocupação que tenho tido em mobilizar escolas, professores, educadores, bibliotecas escolares, plano nacional de leitura para que o Ano Europeu tenha consequências futuras positivas. Daí que o Prémio para as Escolas continue no ano letivo de 2018-19, como modo de reforçar a sementeira de ideias e iniciativas, da qual todos poderemos beneficiar. Se Portugal tem sido um dos países com maior número de iniciativas neste Ano Europeu, deixo o apelo para que esse entusiasmo e essa visibilidade continuem (como aconteceu no prémio da Europa Nostra, recebido pelo Jardim Botânico do Palácio Nacional de Queluz). Como tem sido dito por Luís Raposo (em nome do ICOM-Europa), o Património Cultural tem de ser mobilizador de cultura, de educação, de ciência e de cidadania e um fator de paz e respeito mútuo, contra o medo do outro e do diferente que se dissemina perigosamente.
por Guilherme d’Oliveira Martins, coordenador nacional do Ano Europeu do Património Cultural
in Jornal Público