A AVENTURA DA MORAES
por José Leitão
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INCLUSÃO E CIDADANIA
DA VIDA ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS
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A AVENTURA DA MORAES
A Livraria Morais Editora, a carta do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, a Salazar, que o condenou ao exílio, a JUC (Juventude Universitária Católica), a JOC (Juventude Operária Católica) e a LOC (Liga Operária Católica) tiveram um papel destacado na formação de militantes católicos que se comprometeram na construção de uma Igreja na linha do Concílio Vaticano II e no afrontamento da desordem estabelecida e na luta pela democracia. Dito, de uma forma intencionalmente simplificada, sem a Morais e a Acção Católica, a presença dos católicos na sociedade portuguesa no pós 25 de Abril teria sido outra e muito mais limitada e muito mais pobre seria a cultura portuguesa contemporânea.
De saudar a iniciativa das Feiras do Livro de Lisboa e Porto por este ano estarem a dar destaque à literatura angolana. É um bom começo, há que familiarizar os portugueses com os escritores de Língua Portuguesa de todo o mundo. Só assim se contribuirá para estreitar os laços entre os seus falantes e se construirá entre todos eles uma «Irmandade da Fala», para usar a expressão utilizada pelos nossos amigos da Galiza.
É difícil perceber hoje a importância da resistência cultural representada por esta livraria editora. Alguns factos talvez ajudem a perceber. A Morais publicou a edição em língua portuguesa da revista teológica “Concilium” entre Janeiro de 1965 e Dezembro de 1969. Como as autoridades eclesiásticas portugueses não davam o imprimatur para a sua publicação, a revista com a colaboração de D. Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, passou a ter uma base fictícia no Recife, o que permitia ao bispo brasileiro Dom Aloísio Lorscheider, então presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dar as licenças necessárias para a sua publicação.
Um Caderno, da outra revista editada pela Morais, “O Tempo e o Modo” dedicado ao tema “O Casamento” foi apreendido, como o foi, por exemplo, o livro de Martin Luther King “Força para Amar” da colecção Círculo de Humanismo Cristão, que nunca consegui adquirir, nem depois de 25 de Abril, e que infelizmente ninguém se lembrou de reeditar.
A revista “O Tempo e o Modo” teve um enorme papel não só na tomada de consciência política de muitos cristãos, como também na vida cultural já que permitiu promover uma literatura desenvolta para lá das referências culturais do regime e a ortodoxia neo-realista, promovendo escritores e ensaístas como Jorge de Sena, Ruy Belo, Sophia de Mello Breyner Andresen, Pedro Tamen, Agustina Bessa-Luís, Virgílio Ferreira, Eduardo Lourenço e Nuno de Bragança.
“O Tempo e o Modo” marcou também o início de uma colaboração assumida de católicos e não-crentes no quadro da própria revista. Foi graças a essa opção pela abertura que foram chamados a colaborar na revista entre outros, Mário Soares, Salgado Zenha, Mário Sottomayor Cardia, Jaime Gama, Jorge Sampaio e José Luís Nunes. Estou certo que esta colaboração facilitou a futura entrada de militantes católicos no Partido Socialista desde a sua fundação em 1973.
Para entender o desgaste que esta livraria editora causou nas estruturas do regime há que ter presente, como refere António Alçada Baptista neste livro «nesse tempo, a Igreja, o Exército, o funcionalismo público e a burguesia de província (estruturalmente ligada à Igreja) constituíam as forças sociais de apoio à situação saída da Revolução do 28 de Maio de 1926».
Tudo o que significasse fragilizar um destes pilares ameaçava a solidez do regime e, na verdade, muitos dos jovens universitários mobilizados para a tropa como oficiais tinham sido marcados por todo este trabalho cultural, que contribui para os tornar participantes activos no 25 de Abril.
Revelou-se acertada a frase de Emmanuel Mounier que figura na contra capa da colecção de livros “O Tempo E O Modo” «A acção começa na consciência. A consciência, pela acção, insere-se no tempo. Assim, a consciência atenta e virtuosa procurará o modo de influir no tempo. Por isso, se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo».
P.S. – O Dia de África, que se comemora a 25 de Maio, foi assinalado, como é habitual, por várias iniciativas entre nós. Contudo, no ano em que se comemoram quarenta anos da Organização da Unidade Africana (OUA) é pena que não se tenham realizado iniciativas verdadeiramente portadoras de futuro. É muito grande o desconhecimento colectivo da história e da realidade africana, dos laços profundos que unem a Europa e a África. No que se refere a Portugal está por fazer a história do contributo dos africanos para o código genético e cultural do País.
Portadora de futuro foi a atribuição do maior prémio da Língua Portuguesa, o Prémio Camões, ao grande escritor angolano Luandino Vieira. É preciso sublinhar o contributo fundamental que os escritores africanos de Língua Portuguesa têm dado para o enriquecimento deste património comum, que não tem sido apenas obra de brasileiros e portugueses. A Luandino Vieira foi atribuído em 1965, como recordou a escritora Isabel da Nóbrega numa carta ao jornal Público, em de Maio de 2006, o Prémio de Romance e Novela da Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE), pelo seu livro “Luuanda” por um júri composto por Alexandre Pinheiro Torres, Fernanda Botelho, Manuel Lopes da Fonseca, Augusto Abelaira e João Gaspar Simões, que por esse facto foram presos e levados para a prisão de Caxias.
O facto de Luandino Vieira ter decidido recusar o prémio por “razões pessoais e íntimas” não altera a justeza da sua atribuição.
Agustina Bessa-Luís, que foi o único membro do júri que votou contra, preferia, por exemplo, um grande escritor cabo-verdiano, Germano de Almeida.