Chegados a Cranganor à hora de almoço, após longa viagem, este foi o dia do arroz doce com sabor a cardamomo – aliás, a única iguaria com reminiscência portuguesa que o grupo do CNC encontrou no Restaurante “O Português”… Depois foi a visita à fortaleza construída pelos holandeses, que foi abordada a partir do mar, numa embarcação que permitiu uma visão compreensiva do lugar estratégico, e da grande qualidade dos estudos arqueológicos que estão a ter lugar, os quais apenas poderão ser integralmente entendidos com o conhecimento das estruturas defensivas portuguesas.
Cranganor situa-se na zona da foz do Rio Periyar, situada cerca de vinte e seis quilómetros a norte de Cochim, e é «um dos mais antigos e célebres portos que estabeleciam o trato entre a Costa do Malabar e o Império Romano: a Muziris da cartografia antiga. Na altura da chegada dos portugueses à Índia, esta área portuária era disputada pelo samorim de Calecute e pelo rajá de Cochim. Aliando‐se a este último, os portugueses estabeleceram‐se na zona de Cranganor, retirando das mãos dos muçulmanos e judeus o comércio da pimenta». A presença portuguesa terminou em 1662, quando a cidade foi conquistada pelos holandeses. «A primeira fase de fixação portuguesa teve início em 1502 e prolongou‐se até cerca de 1520. Segundo Gaspar Correia, em 1507 foi edificada uma casa‐forte sobradada, artilhada no plano inferior virado para o rio com duas bombardas grossas». No sobrado foram colocados quatro falcões, numa planta quadrada, com torreões em cada um dos cantos, muito próxima da representada por Pedro Barreto Resende no relatório de António Bocarro (c. 1635) (como outras construções militares portuguesas desta altura no Malabar). «Essa construção terá sido abandonada ou destruída em momento bastante anterior a 1536». A construção de uma segunda fortificação a Diogo Pereira, capitão de uma pequena força de vinte homens, apoiados por algumas forças locais. Esta estrutura manter‐se‐ia praticamente sem alteração ao longo de todo o século XVI e no seguinte. «António Bocarro descreve a fortaleza de Cranganor como “um quadrado perfeito, com quatro baluartes redondos nos quatro cantos, ficando o da terra cavaleiro aos mais e maior, com um vão de vinte passos e os outros de dez”. As cortinas tinham dez braças (vinte e dois metros) de comprimento por três (seis metros e meio) de altura e seis palmos (1,32 metros) de largura, incluindo os parapeitos». A muralha muito próxima da água, era fortemente afetada durante a monção pelas cheias. «No interior da fortaleza, para além da casa do capitão e dos armazéns das munições e dos mantimentos, havia uma igreja e um poço de água. (…) À distância “de um tiro de pedra” encontrava‐se a povoação, com cerca de cem casados e circundada por um muro com aproximadamente seiscentas braças (1,32 metros). (…) A 15 de janeiro de 1662, os holandeses, no âmbito do seu plano de conquista de Cochim, apoderaram‐se de Cranganor. Entre as vítimas do ataque contava‐se o último capitão português, Urbano Fialho Ferreira. O holandês Baldeus, que participou no ataque, relata que existiam sete igrejas na povoação de Cranganor, das quais destacava o colégio jesuíta, a igreja dos franciscanos e a Sé de Cranganor, onde estavam sepultados os seus arcebispos. Já fora do perímetro fortificado, refere um colégio pertencente aos cristãos de rito sírio‐malabar, vulgarmente designados por cristãos de São Tomé. Os holandeses construíram nova fortificação, de forma triangular, provavelmente aproveitando uma das torres da fortaleza portuguesa. Nos finais do século XVIII, Cranganor teve uma existência atribulada, tendo sido palco de batalhas entre holandeses e as forças do sultão Tipu. As fortificações ficaram completamente arruinadas e, atualmente, não se distinguem os vestígios arqueológicos do período português (com o apoio do portal HPIP, texto da autoria de Sidh Losa Mendiratta e Vítor Luís Gaspar Rodrigues). Foi ainda visitada pelo grupo a torre hexagonal de Palipuram, situada a vinte e quatro quilómetros a norte de Cochim, tradicionalmente considerada uma das mais arcaicas estruturas europeias em solo indiano. Contudo, a data da fundação permanece indeterminada e as suas características arquitetónicas apontam para intervenções posteriores a 1661, altura em que os holandeses tomaram esta posição defensiva. Designada como Paliporto situa-se na barra do Rio Cranganor, e também foi centro dos conflitos entre as forças do rajá de Cochim e do samorim de Calecute. Em 1504, o capitão Lopo Soares de Albergaria e os seus homens fundearam aí uma parte significativa dos seus navios. Em meados da década de 1530, foi edificada uma base na barra de Palipuram, tendo por capitão Simão Botelho, futuro vedor da Fazenda do Estado da Índia, para travar a passagem dos paraus de Calecute. Esta base foi posteriormente substituída por uma pequena fortificação, descrita por António Bocarro, cerca de 1635. São as ruínas desta reconstrução que ainda permanecem apesar de uma intervenção holandesa após 1661. «Constituída por três pisos, a torre apresenta três aberturas sobrepostas e de forma aproximadamente quadrada em cada flanco; sob o piso térreo existe uma cave e uma pequena cisterna. As alvenarias são de pedra laterítica caiada, sendo que no centro do pavimento do piso térreo ainda se nota o embasamento de uma coluna central a partir da qual se estruturava o madeiramento necessário aos pavimentos superiores, acessos respetivos e cobertura».
Foi muito importante a realização de um Colóquio sobre os estudos históricos, em que participaram o arquiteto Benny Kuriakose, o presidente do Conselho de Investigação histórica do Kerala, P.K. Michael Tharakan, o Professor Kesavan Velutat, consultor do Instituto de Estudos sobre o Património Costeiro do Kerala e P. M. Nowshad, do Projeto do Património Muziris. De um modo sucinto, muito rigoroso e organizado, foi possível ter uma informação sobre o trabalho histórico e arqueológico em curso e uma troca de impressões e de conhecimentos sobre a realidade do Kerala e indiretamente sobre a memória da presença dos portugueses.
Bárbara Assis Pacheco deu-nos ainda nota da importância da festividade de Onam, de que já falámos, e que assinala as colheitas e o fim da monção. Celebra-se, assim, um verdadeiro renascimento da natureza. Pintam-se as casas e todos devem vestir roupa nova… Invoca-se o regresso de Mahabali, um rei era muito respeitado no seu reino, conhecido pela sua sabedoria, ponderação e extrema generosidade. Segundo a tradição, o Kerala testemunhou a sua era de ouro com o rei Mahabali, num reino caracterizado pela paz e prosperidade, no qual não havia discriminação de castas. Ricos e pobres eram tratados igualmente, não havia crimes, nem corrupção, nem pragas e doenças graves. O povo não precisava de fechar as portas e não havia quem quisesse roubar… No entanto, a inveja dos outros deuses colocou Mahalabi no Reino do Nada… Porém, todos os anos o Rei vem visitar os seus súbditos para lhes lembrar a necessidade de se renovarem e de fazerem o bem. A este propósito, e nas festividades do Onam, a Bárbara recordou o forte envolvimento das comunidades locais no projeto Muziris, e a importância pedagógica desse método de ação, capaz de mobilizar a sociedade toda! Todos ficaram entusiasmados com as oportunidades de cooperação futura que poderão ser desenvolvidas. Só para terminar, continua a falta de notícias sobre a sonda indiana Vikram que chegou à Lua, mas que ficou silenciosa… Talvez na Lua Nova haja mais notícias… Há ainda uma pequena esperança…
Crónicas de Anísio Franco e Bárbara Assis Pacheco:
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