A manhã do dia 8, iniciou-se com a procura dos vestígios do Forte português – de que resta muito pouco, dando-se a circunstância de ser uma construção contemporânea da nossa Torre de Belém, que corresponde a uma solução moderna, que contrasta com as medievais.
Coulão era o grande centro da produção de pimenta e do gengibre, pelo que se entende a importância estratégica para os portugueses. E aqui seguimos sucintamente os textos do portal HPIP, que continuam a ser preciosos. Os vestígios da fortificação portuguesa em Coulão, na zona de Tangasséri, representam um dos escassos exemplos de estruturas militares do período manuelino a sobreviver até hoje na esfera do Índico. Apesar da conquista pelos holandeses, em 1661, a fortaleza primitiva foi aproveitada, tendo ficado arruinada apenas com a ocupação britânica, em 1795. O porto de Coulão, situado na costa de Travancore a cerca de cento e trinta quilómetros a sul de Cochim, além das riquezas económicas possuía uma comunidade de cristãos de São Tomé, estabelecidos desde o século VII. Após um primeiro contacto, estabelecido por Vasco da Gama na sua segunda viagem, foi estabelecido em 1503, um acordo comercial por Afonso de Albuquerque que cria uma feitoria, ficando António de Sá como feitor. A fortificação da feitoria foi ordenada pelo rei D. Manuel em fevereiro de 1505. Todavia, a irrupção de um conflito com os mercadores muçulmanos locais provocou não só a destruição da feitoria e da antiga Igreja de São Tomé, e a morte dos portugueses que ali estavam. Este facto, aliado à adoção pelo vice‐rei de uma política de concentração de forças em torno de Cochim, com o objetivo de assegurar o regular abastecimento das naus da Carreira da Índia, obrigou a que a sua construção só se viesse a concretizar bastante mais tarde, em 1519. Nomeado feitor de Coulão em 1517, Heitor Rodrigues recebeu ordens para iniciar uma nova fortificação. De acordo com Gaspar Correia, escolhida a praia de Tangasséri como local de edificação da fortaleza, a construção foi‐se fazendo muito lentamente e o seu artilhamento com berços, falcões e camelos foi conseguido de forma sub‐reptícia, de forma a não acirrar os ânimos locais…
«Despontando no meio de uma vegetação luxuriante, marcada por esbeltas palmeiras, o antigo Palácio do Governador de Coulão reduz‐se, hoje (diz-nos Helder Carita), a um conjunto de altas paredes amuralhadas que testemunham a monumentalidade do projeto inicial. Na sua localização estratégica, o palácio, situado sobre a baía que se estende em frente, controlava o tráfico marítimo que entrava e saía do porto, afirmando‐se como elemento simbólico da presença portuguesa na região. Logo na primeira metade do século XVI, o edifício foi registado por Gaspar Correia nas “Lendas da Índia”, caracterizando‐se por duas altas torres com cobertura de telhado de quatro águas, ligadas por um corpo mais baixo. Embora de menores proporções, a tipologia e implantação do palácio manifestava claras afinidades com o Palácio da Fortaleza dos Vice‐Reis, em Goa. Quase um século depois, constatamos, através dos desenhos realizados por Pedro Barreto Resende e Manuel Godinho de Erédia, que o palácio mantinha o seu semblante acastelado. O edifício parece adquirir mais um piso e as torres ganham ameias, tomando o edifício um carácter mais palaciano. Na conquista da cidade, os holandeses, embora diminuindo significativamente o seu perímetro urbano, mantiveram o palácio, alojando nele o seu quartel‐general. Durante o período inglês, o velho palácio, perdendo significado estratégico, foi abandonado. As atuais ruínas correspondem ao torreão que encostava diretamente sobre a antiga muralha, sendo ainda visível um troço de parede com um friso de ameias de remate cónico. A permanência em pé destas altas e grossas paredes, que todos os anos recebem a forte erosão das monções, deve‐se, sem dúvida, ao desenvolvimento pelos portugueses de argamassas de alta resistência, com base em cal de ostra, resistente à água, que, como Gaspar Correia descrevia, quando endureciam nem o picão as partia».
Seguiu-se a aturada procura (não muito fácil) do Paço episcopal, onde foi visitado o Bispo, Dr. Paul Antony Mullassery. Segundo Helder Carita (HPIP): “a construção de um palácio episcopal em Coulão está relacionada com o facto de o bispo de Cochim, com a invasão dos holandeses em 1661, e na tentativa de manter a jurisdição da sua diocese (que na altura se estendia por toda a Costa do Malabar, até ao Cabo Camorim), ter sido obrigado a sair da cidade, optando por residir em Coulão. De construção tardia, dos finais do século XVIII ou inícios do século XIX, a importância e significado deste palácio no conjunto do património arquitetónico de influência portuguesa emerge pela permanência de uma tipologia indo‐portuguesa que, ensaiada ao longo do século XVII, se vai alastrando a várias zonas do sul da Índia e aí manteve uma larga posteridade. No seu programa arquitetónico, o palácio apresenta‐se com dois pisos, sendo a fachada principal rasgada por uma vasta varanda de colunas, repousando sobre uma galeria de fortes pilares quadrados, em sintonia com as grandes casas paroquiais. O palácio acusa, porém, uma maior grandiosidade, sendo natural que reproduza elementos programáticos do destruído Palácio Episcopal de Cochim. Na estrutura interior, o palácio desenvolve‐se à volta de um vasto pátio quadrado, desenrolando‐se no piso térreo as atividades administrativas afetas à gestão da diocese. O corpo residencial do palácio, ladeado por uma capela, recolhe‐se sobre um terreiro de entrada envolvido por altos muros. Estes muros, autonomizando o corpo residencial da capela, separam o público do interior do palácio, onde o acesso à capela é realizado pelo andar nobre, numa clara hierarquização de funções e espaços. A fachada da capela apresenta uma composição dividida por tramos verticais marcados por pilastras, acusando um programa de inspiração maneirista de que a Igreja de São Sebastião de Charava, a norte de Coulão, constitui um derradeiro exemplo. De planta retangular, com arco cruzeiro de acesso ao altar‐mor, a capela mantém um retábulo em talha dourada acusando uma feitura tardia, já do século XIX, ao apresentar uma composição de tradição portuguesa tardo‐barroca». Anísio Franco salientou as decorações exuberantes e mesmo delirantes de influência local – e deu nota das queixas do Bispo sobre as dificuldades em lidar com os párocos, que têm a seu cargo bens de extremo valor, cuja importância nem sempre é compreendida. Sobre mais notícias, amanhã seguirão…
Crónicas de Anísio Franco e Bárbara Assis Pacheco:
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