Italo Calvino disse que um clássico “é um livro que ainda não acabou de dizer o que tem para dizer”. Ao falarmos de Trinta Clássicos das Letras, lembrámo-lo, e fizemos uma escolha aleatória, considerando a vida contemporânea.
Importa, porém, não esquecer as grandes obras da espiritualidade, que continuam a ser referências fundamentais das diferentes sociedades e culturas.
Escolhemos hoje três livros finais, que continuam a influenciar decisivamente a vida dos nossos dias. Sem entrar em exemplos concretos, basta regressarmos a diversos dos livros escolhidos, para rapidamente encontrarmos alusões, referências e símbolos, incompreensíveis sem recorrermos aos textos que hoje recordamos.
Lembrando-nos da origem indo-europeia das nossas culturas, começamos por “Bhagavad Gita”, a “canção do bem-aventurado”, escrito em sânscrito (língua donde provêm quase todas as línguas europeias). É um texto religioso hindu. Faz parte do épico Mahabharata, embora seja de composição mais recente que o restante livro. A versão que chegou aos nossos dias data do século IV a.C.. Relata o diálogo de Krishna, suprema personalidade divina, com Seu discípulo guerreiro, em pleno campo de batalha. O tema é da iluminação diretamente de Krishna e da ciência da autorrealização. No desenrolar da conversa são colocados pontos importantes do bramanismo. A obra é uma das principais escrituras sagradas da cultura da Índia, designadamente na religião Vaishnava, com ramificações de fé em Vishnu ou Krishna. Deus está para o mundo como o artista para o seu trabalho. Deus será o Criador (Brahma), o Conservador (Vishnu) e o Destruidor (Shiva), que, no fim devolve todas as formas finitas à natureza primordial donde emergira. O “Bhagavad Gita” contém a essência do conhecimento védico da Índia e é considerado um dos grandes clássicos espiritualistas da humanidade.
Já a “Bíblia” é composta do Antigo e do Novo Testamento, tendo o “Antigo Testamento” sido escrito entre 1500 a. C e 450 a. C., e o “Novo Testamento” entre 45 e 90 da nossa era, em cerca de 1600 anos. Estamos perante uma verdadeira biblioteca, de muitos autores e de diversas circunstâncias. Enquanto uma certa tradição coloca no tempo de Moisés a autoria dos primeiros cinco livros da Bíblia (Pentateuco), muitos estudiosos consideram que foram compilados apenas depois do exílio babilónico (século IV a. C.), a partir de outros textos datados entre os séculos décimo e o quarto antes de Cristo. O “Pentateuco” (cinco rolos) é designado pelos judeus como “Torá”, palavra hebraica que significa instrução ou Lei, tendo Moisés sido o seu principal autor. É o ensinamento judeu através da história – “e viver segundo a Lei é viver no tempo a vida da eternidade”. O “Novo Testamento” apresenta a história de Jesus Cristo, Filho de Deus, e a pregação dos seus ensinamentos durante a Sua vida e após a morte e Ressurreição, em Quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), a partir da ideia de “Boa Nova”, os “Atos dos Apóstolos”, as Cartas dos Apóstolos, em especial de Paulo e o “Apocalipse de S. João”.
O Alcorão é o livro sagrado do Islão. Os muçulmanos consideram que se trata da palavra literal Deus (Alah) revelada ao profeta Muhammad (Maomé), ao longo de um período de vinte e três anos. 92 capítulos foram revelados em Meca, e 22 em Medina. Está assim organizado em 114 capítulos, denominados suras, divididas em livros, seções, partes e versículos. A palavra Alcorão deriva do verbo árabe que significa declamar ou recitar. Os capítulos estão dispostos de acordo com a sua extensão e não de acordo com a ordem cronológica da revelação. Cada sura pode por sua vez ser subdividida em versículos. O número de versículos é de cerca de 6600. A sura maior é a segunda, com 286 versículos e as suras menores possuem apenas três versículos. Os capítulos são tradicionalmente identificados pelos nomes e não pelos números – A Vaca, A Abelha, O Figo ou A Aurora, por exemplo.
Os clássicos dos clássicos são, afinal, os que sempre têm algo para dizer.
Agostinho de Morais