“As Aventuras de Alice no País das Maravilhas” é uma novela de 1865 escrita por Charles Lutwidge Dogson (1832-1898), sob o pseudónimo de Lewis Carroll. Apesar do autor sempre tê-lo negado, a personagem parece identificar-se com Alice Pleasance Lidell (1852-1934), jovem que o autor largamente retratou, filha do Decano de Christ Church da Universidade de Oxford, Henry Lidell.
Trata-se de uma narrativa fantasiosa, com figuras antropomórficas, em que prevalece o raciocínio lógico e a sua crítica, típicos de um professor de matemática. Nesse sentido, a popularidade do livro, nas suas duas partes (“País das Maravilhas” e “Do Outro Lado do Espelho”) deveu-se ao alcance multifacetado dos episódios que relata, que podem ser apreendidos por crianças e adultos, já que o humor pode ser visto na simplicidade infantil ou na apresentação de paradoxos lógicos só compreensíveis por leitores maduros. Trata-se, porém, de um exemplo que reúne o “non-sense”, a fantasia, o absurdo, o cómico e os jogos da lógica, ao alcance de todos… Lewis Carroll foi diácono anglicano, professor, fotógrafo, matemático e escritor, tendo-se celebrizado sobretudo pelo romance de Alice, mas igualmente pelas suas descobertas no campo da lógica matemática.
Alice, num passeio em 4 de julho de 1862, começa por seguir um estranho coelho branco de colete e relógio de bolso para a sua toca e cai num poço cheio de prateleiras com objetos estranhos e livros. No fundo, descobre uma chave dourada sobre uma mesa de vidro, que abre uma porta que dá para um belo jardim, demasiado pequena para que Alice possa entrar. Encontra uma pequena garrafa com uma etiqueta “Bebe-me”. Alice cumpre o pedido, diminui de tamanho e consegue entrar. Mas esquece-se de trazer consigo a chave e o que a salva é um bolo, que a convida a comê-lo, o que lhe permite crescer. O encadeamento das peripécias não pára. Alice chora porque cresceu de mais e cria um lago de lágrimas. O coelho deixa cair as luvas e o leque e Alice consegue diminuir de tamanho ao refrescar-se com o leque, mas cai no lago cheio pelas suas próprias lágrimas, mas um rato ajuda-a a não se afogar e a atravessar o lago… Tudo é, porém, demasiado complicado. Um bizarro dodô (caricatura do autor, Dogson) promove uma corrida eleitoral, em que todos ganham. Alice volta a crescer desmesuradamente. Há os conselhos da lagarta-azul. O Gato Chessire revela o seu misterioso sorriso. E os números matemáticos podem ser vistos como são: duas ou três maçãs ou os algarismos 2 e 3, considerados em abstrato, da mesma maneira que o sorriso do gato, que a certa altura, deixa de fazer parte dele… E chegamos ao Chá dos Loucos, com a Lebre de Março e o Chapeleiro, condenado a beber sempre chá porque o seu relógio ficou parado nas seis horas, “post meridium”. E Carroll tem razão ao falar da loucura como doença profissional dos chapeleiros – pela inalação dos gases do mercúrio, indispensáveis na fabricação dos chapéus de feltro. E nesse mundo perturbado, encontramos referência à mais assisada das lições de Lógica: «afinal, podemos dizer “Vejo o que como”, ou de outro modo, “Como o que vejo”!» Cuidamos assim de uma relação inversa… Por sua vez, a Rainha de Copas revela-se irrascível e intolerável. Uma tartaruga falsa (alusão à sopa assim chamada, feita com carne e caldo verde; daí a cabeça de bezerro da ilustração), a quadrilha da lagosta, o julgamento do valete de copas (pelo “terrível” roubo de uma torta), o decisivo depoimento de Alice – e a final demonstração de que a rainha de copas nada pode, para além do mundo da fantasia contra Alice, regressada à realidade… A aparente loucura, que perpassa em todo o sonho, corresponde, afinal, a uma mistura de paradoxos lógicos, de doenças reais, como a do chapeleiro, e de pequenas referências a hábitos e costumes britânicos. E assim, ainda hoje, a obra de Lewis Carroll continua a revelar muitos enigmas, a que a maior parte dos leitores continua indiferente…
Agostinho de Morais