John Steinbeck (1902-1968) baseou-se numa passagem do célebre poema de Júlia Ward Howe (1819-1910) para intitular esta saga (“The Grapes of Wrath”, 1939), passada nos tempos negros da grande crise americana dos anos trinta do século XX. Não podemos compreender, aliás, o “New Deal” de Franklin Delano Roosevelt e a determinação em iniciar uma era de políticas sociais, orientada para a justiça das pessoas concretas, sem lermos esta obra fundamental de Steinbeck.
Em pano de fundo deste romance heroico está a corajosa atitude do Presidente democrata no sentido de ultrapassar os dogmatismos económicos, fundando um novo contrato social, que marcaria todo o século e o pós-guerra. O romance é protagonizado pela família dos Joads, pobres rendeiros expulsos da sua quinta no Oklahoma pelos efeitos tremendos da crise, pela pressão dos bancos na cobrança de dívidas, pela seca, pela mecanização e pela falta de resposta da produção agrícola. À “grande depressão” somaram-se os efeitos do “Dust Bowl”, fenómeno climático originado pelas erradas práticas agrícolas intensivas de muitas décadas, que secaram os terrenos e geraram condições para a ocorrência de tempestades de areia que destruíam a produção agrícola. Os Joads foram obrigados a partir para a Califórnia, em busca de emprego, terra e dignidade.
O livro é o relato desse caminho trágico e foi muito criticado pelos fazendeiros, por o considerarem alarmista e exagerado. No entanto, logo em 1939 foi um grande sucesso editorial, com muitos milhares de obras vendidas, quer pelo interesse do tema, quer pela escrita fluida e brilhante, obtendo o Prémio Pulitzer e o National Book Award, os mais prestigiados prémios literários americanos. Steinbeck receberia em 1962 o Prémio Nobel da Literatura.
Pode dizer-se que, na prática, a política de Roosevelt compreendeu bem a essência do drama desta família e de toda a América. A personagem principal, Tom Joad (Henry Fonda no filme de John Ford de 1940), regressa a casa saído da prisão e encontra a família decidida a abandonar a terra, depois de um ano de colheitas desastrosas e da decisão dos proprietários assumirem diretamente a titularidade da terra, mercê de novos métodos e maquinaria. O desemprego atingira os 25% da população e os rendimentos tinham sofrido uma quebra de mais de 30%. O romance relata o duro percurso para a incerteza e o desconhecido, onde o desespero e a esperança, o egoísmo e a generosidade se articulam permanentemente. Com o muito pouco dinheiro que ainda têm, transformam um velho Hudson numa carrinha onde cabe toda a família de doze pessoas, e partem para oeste, até à Califórnia, como se fora o Eldorado. Durante o caminho, entre mil peripécias, desde o início ao fim, de vida e de morte, cruzam-se com muitos outros que seguem na mesma direção e com o mesmo objetivo, atraídos por promessas de trabalho e de melhores salários. E há a evidência de uma metáfora bíblica, cheia de referências, como a Arca de Noé, Moisés, o Êxodo, a Terra Prometida… chegados à Califórnia, as melhores expectativas saem frustradas. Há muita concorrência no desemprego, o trabalho que há é pouco e mal pago. E assim os migrantes são obrigados a viver em acampamentos temporários, sob os efeitos da ganância e da exploração.
Procurando não adulterar o sentido geral da obra de Steinbeck, em que o egoísmo e a exploração se manifestam ao lado de pequenos gestos de genuína solidariedade e generosa entrega, John Ford deixa, para além do livro, uma referência ao “New Deal” e à determinação de Franklin D. Roosevelt, ele mesmo alvo de tantas incompreensões (a começar no Supremo Tribunal Federal), aludindo ao acampamento do Departamento da Agricultura, no qual a família encontra um mínimo de dignidade humana. O romance mantém atualidade sempre, uma vez que são os direitos fundamentais e a dignidade pessoal que estão em causa, compreendendo-se a economia não um modo de olhar a riqueza enquanto fim em si, mas como realidade humana.
Agostinho de Morais