“A Ilíada” e a “Odisseia”, atribuídas a Homero (século VIII a. C.), são as duas obras maiores da cultura greco-latina, marcando decisivamente as tradições mediterrânicas, a ponto de, segundo a lenda, Lisboa ter sido fundada por Ulisses. “A Ilíada” tem origem na tradição oral da época micênica cantada pelos aedos. Tais versos foram compilados numa versão escrita no século VI a. C. em Atenas. O poema foi então dividido em 24 cantos, divisão que persiste até hoje, correspondendo cada canto a uma letra do alfabeto grego, segundo o método usado pelos estudiosos da Biblioteca de Alexandria. O poema passa-se no décimo ano da guerra de Troia e refere-se à ira de Aquiles causada por uma disputa com Agamémnon, comandante dos exércitos gregos, e consumada na trágica morte do herói troiano Heitor, culminando no seu funeral. Este episódio é fundamental na cultura helénica, por se referir ao combate entre alguém da estirpe dos deuses, Aquiles, filho de Tétis, parcialmente vulnerável, e um homem, cujas qualidades heroicas não oferecem dúvida. Homero refere-se a mitos e acontecimentos prévios à guerra, mas esta não é contada na íntegra. O conhecimento da mitologia grega acerca de Troia é, pois, essencial para a compreensão da obra. A Guerra de Troia ocorre quando os aqueus atacaram a cidade de Troia, procurando vingar o rapto de Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta, irmão de Agamémnon. Antepassados dos gregos, os aqueus representam no poema épico a origem mítica e histórica de uma civilização plural, enaltecida no poema. A mulher mais bela do mundo era Helena, filha de Zeus e de Leda. Estava casada com Tíndaro, rei de Esparta. Helena possuía diversos pretendentes, entre os quais os maiores heróis da Grécia. Tíndaro, seu pai adotivo, hesitava em tomar uma decisão, mas finalmente um dos pretendentes, Ulisses, rei de Ítaca, resolveu o impasse propondo que todos jurassem proteger Helena e a sua escolha, qualquer que ela fosse. Helena casou-se então com Menelau. A guerra inicia-se quando Páris, filho de Príamo, rei de Troia, vai a Esparta em missão diplomática, e apaixona-se por Helena, raptando-a e levando-a para Troia, o que naturalmente enfurece Menelau, que apela aos antigos pretendentes, em nome do juramento feito. Agamémnon então assume o comando de um exército de mil barcos e atravessa o mar Egeu para atacar Troia. As naus gregas desembarcaram na praia próxima de Troia e iniciaram um cerco que duraria dez anos, custando a vida a muitos heróis, de ambos os lados. Finalmente, seguindo o célebre estratagema proposto por Ulisses, através da suposta oferta do Cavalo pelos deuses, os gregos conseguem invadir a cidade governada por Príamo e terminam a guerra, vencendo-a. A «Odisseia» é também um poema elaborado ao longo de séculos pela tradição oral dos aedos, tendo sido fixada por escrito, provavelmente no fim do século VIII a.C.. Quase todas as edições e traduções modernas da «Odisseia» são divididas em 24 livros. O poema inicia-se dez anos após o fim da Guerra de Troia. Telémaco, filho de Ulisses, tem 20 anos e procede na ilha de Ítaca à partilha da casa de seu pai ausente, com sua mãe e uma multidão de desonestos pretendentes, que querem persuadir Penélope de que seu marido está morto, e que ela deve casar-se com um deles. O enredo de “Odisseia” tem a ver com o relato da viagem de regresso do herói de Troia para Ítaca. É uma descrição iniciática, na qual Ulisses viaja pelo mundo dos vivos e dos mortos. Passa pela terra dos Cícones, visita os comedores de Lótus, é capturado pelo ciclope Polifemo, consegue fugir após cegá-lo com uma ponta afiada de madeira, é recebido por Éolo, senhor dos ventos, que lhe oferece um saco de couro contendo todos os ventos (salvo o de oeste), que deveria garantir a viagem para casa em segurança… Porém, roídos pela curiosidade os marinheiros abriram o saco enquanto Ulisses dormia, pensando que se tratava de ouro; e deixaram escapar todos os ventos, gerando uma tempestade que afastou os navios de Ítaca… Os conselhos de Circe, a passagem pela ilha das sereias, Cila e Caríbdis, o trágico abate do gado do deus-sol e o naufrágio que se segue, os sete anos na ilha de Calipso – tudo culmina no regresso e no ajuste de contas final de Ulisses, símbolo da paixão temperada pela medida.
Agostinho de Morais