“Mais do que exaltar a Pátria, interessa-me o
relacionamento dos Portugueses uns com os outros” – quem o afirma é José Mattoso
numa obra fundamental para a compreensão das origens de Portugal e das raízes da
nossa identidade (Identificação de um País, Estampa, 1985). E o
historiador confessa que, depois da investigação a que procedeu, relativamente
ao período compreendido entre 1096 e 1325, “a resposta do passado medieval, pelo
menos a que ouvi, foi esta – Portugal é irredutível e simultaneamente uno e
múltiplo”. E nesta perspectiva, a identificação a que procedeu foi, afinal, a
continuação pelos caminhos da História daquilo que Orlando Ribeiro investigou e
ensinou, de forma modelar, na geografia humana – a partir da referência a duas
áreas diferentes que persistem em manter-se unidas, ao longo dos séculos – “um
Norte populoso, acidentado e conservador”, o Atlântico e a sua influência e “um
Sul de habitat aglomerado, plano e progressivo”, o Mediterrâneo e a sua
demonstração. Hoje, uma cultura viva tem de entender esta realidade complexa e
aberta ao mundo. Portugal é não só as suas raízes mas os ramos que espalhou
noutras comunidades e noutras paragens. A afirmação da cultura portuguesa exige,
assim, uma visão aberta, que permita o enriquecimento permanente, o melhor
conhecimento das nossas coisas e a compreensão da força do diálogo entre
culturas. Como diz ainda o historiador, “a diversidade das comunidades que
compõem a Nação, cujas oposições e contrastes a História revela claramente,
merece, creio, mais atenção do que a que lhe têm consagrado os historiadores e
os políticos”. O método de Identificação de um País recusa, assim, as
explicações tradicionais ou mitológicas. Centra-se nos factos, na concatenação
dos acontecimentos e das vontades, no processo longo de maturação da
consciência nacional. As simplificações são postas de parte. As
características da “portugalidade” são vistas como fenómenos complexos que não
podem resumir-se a um dilema estreito, por exemplo, entre os que “tendem a
estreitar os laços com a Europa” e os que projectam “Portugal para fora dela”.
Os traços da nossa identidade não estão exclusivamente nesses termos nem numa
qualquer mitologia nacionalista – estão, sim, num equilíbrio ou numa síntese que
exige a compreensão das diferentes raízes e de um percurso histórico longo e
multifacetado. Num tempo europeu, temos de perceber, cada vez mais, que a
diversidade das pertenças e as ideias de complementaridade e de síntese são a
matéria prima de um novo patriotismo constitucional, aberto e cosmopolita,
orgulhoso das diferenças e contrário aos egoísmos nacionais. José Mattoso
ensina-o com sentido de futuro. Compreendamo-lo.
Guilherme d`Oliveira Martins