UM LIVRO POR SEMANA
De 28 de Agosto a 3 de Setembro de 2006
Jaime Cortesão no seu “Eça de Queiroz e a Questão Social”, conjunto de textos dados à estampa no Brasil em 1947 (Imprensa Nacional, 2001), fala-nos de Eça de Queiroz das últimas obras e do idealismo que as alimenta e recorda o contraponto entre o universalismo das origens da Escola de Coimbra e a emergência do orgulho nacional, sob os efeitos do “Ultimatum” inglês de 1890 – “todos e cada um, feridos na sua dignidade de portugueses, procuram, ainda que por modos diferentes, reabilitar a pátria e exprimi-la na sua essência”. Eça, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Antero e Ramalho chegaram por caminhos diversos a preocupações comuns, procurando conciliar a evolução desejável e a sociedade concreta. “Cada um desses homens, Eça como os demais, se explica tanto por si como pelos outros” – insiste Cortesão. Nunca esteve em causa o “cosmopolitismo”, mas havia a necessidade de compreender que a “cidadania” se afirma nas circunstâncias reais, perante os condicionalismos e os constrangimentos concretos. Eça de Queirós é lido por Jaime Cortesão, em especial nas “Lendas dos Santos”, como alguém que vai ao encontro da sociedade em carne viva e da existência concreta, o que exigia desde a compreensão do povo e da terra até às aspirações idealistas ligadas à necessidade de emancipação. Afinal, “o escritor compreendeu que a crise social é, em última análise, uma crise de consciência. E que, enquanto os homens tentassem, em nome de uma fé meramente civil, compatível com o ódio, resgatar os homens da miséria e da opressão, de novo o ódio, que gera o ódio, prenderia os homens na mesma e interminável cadeia. A grande solução teria que realizar-se nas consciências, redimindo pela humanidade e o amor o pecado original do orgulho vindicativo; eliminando pelo amor de Cristo o culto do Diabo”. Cortesão afirma que o ideal de salvação tanto pode ser nacional, no caso de Gandhi, como universal, no de S. Cristóvão. Historicismo, idealismo, franciscanismo e socialismo cristão concorrem, assim, no autor de “A Ilustre Casa”, para “esclarecer a sua experiência de português”, conhecedor do povo e da terra, mas também a experiência de europeu, conhecedor da “cultura e tendências universalistas do seu tempo”… A injustiça social só poderia redimir-se por meio de uma transformação moral, que excedesse “o âmbito estreito das nações”. A tradição franciscana é, deste modo, realçada. E recorda a oposição apresentada por Unamuno da alegria e doçura panteísta da religiosidade portuguesa à severidade dramática do catolicismo castelhano – “ou seja, traduzido na nossa linguagem, o franciscanismo duns ao dominicanismo dos outros”. Simplificando, Jaime Cortesão encontra esse elemento unificador, de abertura e sensibilidade, que permite o florescimento no ocidente peninsular das condições favoráveis à disponibilidade para a procura do novo e do desconhecido. E realça o sinal distintivo deixado em Portugal, desde o século XIII, pelo franciscanismo – que permitiu aproximar Deus e a Natureza, e justificar a aventura do achamento do mundo. “A uma Idade Média, que termina, seguir-se-á uma nova era de novos Descobrimentos. Mas, em vez da aventura em superfície, aquilo a que Max Weber chamou a aventura no Absoluto”. Cortesão pensa no presente, e fala de vozes que apelam “para o heroísmo e a renúncia quotidiana, a serviço do povo” e de um “franciscanismo civil, no sentido duma superação e transcendência espiritual da vida, alargada a toda a humanidade”.
Guilherme d’Oliveira Martins