UM LIVRO POR SEMANA
de 7 a 13 de Agosto de 2006
A obra tornou-se um clássico. “Isaiah Berlin en toutes libertes – Entretiens avec Ramin Jahanbegloo” (Éditions du Félin, 1990) é um repositório excelente sobre o percurso intelectual do pensador inglês, e isso fica a dever-se ao cuidado e à qualidade do entrevistador. E nestes dias, em que Ramin continua preso por delito de consciência em Teerão, homenageamo-lo relendo o seu livro, e reencontrando uma das grandes referências do pensamento liberal contemporâneo. Ramin Jahanbegloo (1956) é um filósofo iraniano, viveu em França, para onde foi depois de 1974, escreveu “Hegel e a Revolução Francesa” e estudou aprofundadamente o pensamento do Mahatma Gandhi. Conduziu ainda uma outra entrevista muito importante sobre o pensamento de George Steiner. Recentemente, depois de uma intervenção cívica favorável à abertura política através do diálogo entre culturas e religiões, segundo uma perspectiva liberal, Ramin regressou ao Irão, tendo sido preso sob a acusação absurda de manter contactos com intelectuais estrangeiros (ver petição). Neste livro, graças ao roteiro definido por Jahanbegloo, Isaiah Berlin (1919-1997) fala-nos do seu percurso pessoal desde a Letónia natal até ao magistério universitário e académico em Oxford. Com uma curiosidade intelectual e uma argúcia invejáveis, Berlin parte da análise de diversos pensadores e filósofos, de Maquiavel a Marx, de Vico a Herder, seguindo o veio inesgotável desde o Renascimento até aos nossos dias, passando pelo século das luzes, pelo romantismo e pela Rússia do século XIX. O que estava em causa para Sir Isaiah era o aprofundamento das suas concepções sobre liberdade e pluralismo, pedras de toque de uma civilização culta e aberta. O que atraíu o jovem filósofo iraniano foi a crítica de Berlin a uma espécie de “agorafobia” que leva à aceitação de atitudes deterministas e monistas da história. Por isso o professor britânico demarca-se de “todo o sistema racional que reclamaria uma objectividade histórica supra-individual, e reivindica um modo de pensar que rejeita toda a solução dos conflitos de ideias pela procura de uma síntese absoluta”. E eis-nos perante as “duas concepções da liberdade”: a primeira, a “liberdade negativa”, é a liberdade de desejar ou de preferir o que desejamos independentemente das interferências de outrem – e leva à realização de projectos sem limites ou constrangimentos. Contra ela, apresenta-se a “liberdade positiva”, que já não põe o acento no indivíduo “nó legítimo de desejos”, mas no agente moral racional que tem a capacidade de escolher segundo um ideal que deveria prosseguir. A liberdade positiva corresponde à pergunta “Por quem devo ser governado?”, enquanto a liberdade negativa corresponde a “Até onde devo ser governado?”. Daí que a grande preocupação de Berlin seja a de demonstrar mais as aberrações da liberdade positiva do que as da liberdade negativa… E aqui chega-se ao cerne do pensamento do filósofo britânico: “o pluralismo (…) parece-me ser um ideal mais verídico e mais humano do que o ideal do domínio de si ‘positivo’ das classes, dos povos ou da humanidade inteira que alguns julgam encontrar nos grandes sistemas bem ordenados e autoritários. É mais verídico porque reconhece que os fins humanos são múltiplos, nem sempre comensuráveis e em permanente rivalidade uns com os outros”. Berlin prefere, assim, uma “decência elementar”, que compatibilize liberdade e igualdade, sem a tentação de instaurar uma impossível “sociedade harmoniosa”. E assim descobrimos a ilustração prática do pensamento de quem oscilou entre os métodos do ouriço e da raposa, entre esperar e agir, em nome do equilíbrio.