UM LIVRO POR SEMANA
de 24 a 30 de Julho de 2006
Jorge Borges de Macedo (1921-1996) escreveu “História Diplomática Portuguesa – Constantes e Linhas de Força – Estudo de Geopolítica – volume I” (Tribuna de História, 2006). A obra segue um percurso desde os primórdios dos séculos XII a XIV (“a pressão da fronteira terrestre” e a “defesa do equilíbrio”) até ao “equilíbrio contingente” na sequência da Paz de Vestefália (1648) e ao confronto de hegemonias encontrado no Congresso de Viena, passando pela alternância “entre o equilíbrio e o cerco” e “o cerco e o equilíbrio” no período crucial da segunda metade do século XVI e da primeira parte de seiscentos… Ligando a política portuguesa aos acontecimentos mundiais, “o historiador e o pedagogo” (assim justamente recordado por Jorge Braga de Macedo) procura desmontar os lugares comuns e sobretudo abre pistas, que constituem modos estimulantes de nos apercebermos dos problemas. A busca de um equilíbrio compatível com a condição de Estado de média influência é uma constante desde as origens. Portugal dispõe “da costa ibérica que confronta o Atlântico”. Não estamos perante apenas um Estado peninsular – “as ligações obtidas com a Flandres, a Inglaterra, a Aquitânia, com Génova, Veneza ou Aragão tornam-se fundamentais para a intervenção de Portugal na Península ou para o afastamento relativamente a ela”. Eis donde parte o historiador. E começamos na potência militar e naval de D. Dinis, primeiro “Senhor de uma língua, de leis gerais” e de um Estado. Dirá Zurara: “cá nós de uma parte nos cerca o mar e da outra temos muro no reino de Castela”. Com D. João I, o equilíbrio peninsular pôde manter-se: “Aragão na Itália; Castela, na guerra contra o mouro; Portugal no Atlântico”. Era o tempo em que, graças ao açúcar e ao marfim, “Portugal começava a exibir uma capacidade económica com algum interesse”. Com D. Afonso V a política externa actuou em três planos: “a defesa das áreas descobertas e a sua organização como conjunto económico e estratégico; a manutenção do equilíbrio peninsular em que Portugal participasse com outros reinos de capacidade igual; a neutralidade relativamente ao Mar do Norte, sem deixar de procurar relações estáveis com aquela área”. Jorge B. de Macedo vê Afonso V a antecipar o Príncipe Perfeito – a aliança Portugal-Castela traria “uma nova forma de equilíbrio peninsular, concebido a partir do domínio do Atlântico, e por aí como forma de pressão mais geral, a hegemonia sobre a entrada do mar Mediterrâneo e a expulsão dos navegadores ingleses e bretões das novas áreas”. Foi a complementaridade tripla da divisão do trabalho peninsular, que D. João II procurou cumprir à risca – no seu “mare clausum” atlântico… O autor não partilha, porém, a tese unificadora do malogrado casamento do príncipe D. Afonso com a filha dos Reis Católicos (preferindo invocar a linha sucessória do príncipe D. João). A defesa da rota da Guiné e a busca da rota da Índia em África foram as prioridades de D. João II e os reinos ibéricos ganharam uma solidariedade de sobrevivência. E D. Manuel torna-se legítimo pretendente à sucessão dos Reis Católicos – mas a morte de Miguel da Paz vai deitar a perder o projecto de tornar concreto o “equilíbrio” – contra as ameaças corsárias do norte da Europa… Carlos V e a Imperatriz Isabel de Portugal procurarão restaurar a “Respublica Christiana”, no entanto, a França, a Espanha e a Áustria tornam-se os Estados europeus dominantes. Portugal (como a Inglaterra) procura espaço atlântico através do império marítimo, com dificuldades e sem procura interna e uma base económica continental sólida. É o tempo do cerco, que cada vez mais se aperta. Apenas pode compreender-se o projecto de D. Sebastião, a partir da tentativa de obter o equilíbrio perdido perante a hegemonia europeia dos Áustrias. Alcácer-Quibir esteve na sequência da vitória de Lepanto (1571). Havia que impedir a chegada do império otomano a Marrocos… Seria, no entanto, preciso esperar pelo fim da guerra dos Trinta Anos (1618-1648), pela reacção vitoriosa de 1640 perante a tentativa centralizadora do Conde Duque de Olivares, pela nova orientação da Paz de Vestefália, instituidora de um novo quadro europeu, para Portugal recuperar o equilíbrio perdido…
Guilherme d’Oliveira Martins