UM LIVRO POR SEMANA
De 19 a 25 de Junho de 2006
Quem não recorda com fascínio a leitura das “Viagens” de Marco Polo? É delas que vos falo hoje, na tradução de Ana Osório de Castro, com prefácio de António Osório (Assírio & Alvim, 2006). E lembremos o que diz o início desse livro mágico: “quero que saibam que desde que Deus fez Adão nosso primeiro pai até ao dia de hoje, nem cristão nem pagão, sarraceno ou tártaro, nem nenhum homem de nenhuma geração viu, nem explorou tantas maravilhosas coisas do mundo, como fez o senhor Marco Polo”. Foi com base nas “Viagens” e na sua memória que os nossos infantes D. Henrique e D. Pedro olharam para vante e idearam a empresa de alargar horizontes nas sete partidas. O sentido da Europa como continente aberto, como encruzilhada de influências fica bem patente nesse desejo de aventura e na sua concretização. E estamos a ver Pêro da Covilhã (ou Afonso de Paiva) nas suas deambulações no Oriente médio e na Abissínia com a obra de Polo nas mãos, como no-lo descreve o Conde de Ficalho. Marco Polo (1254-1324) partiu da Veneza natal aos 17 anos com o pai Niccolò e com o tio Matteo e seguiu a rota dos mercadores, chegando a Cambaluc no Catai (a actual Pequim) graças à ocupação mongol. A viagem durou 24 anos e não foi só uma “assombrosa aventura”, foi também um complexo exercício de diplomacia, que mudaria o curso da história. O livro deveu-se a um encontro casual nas prisões de Génova, onde Marco Polo esteve encarcerado após uma mal sucedida contenda naval, com o imaginoso escritor de romances de cavalaria Rustichello da Pisa. Em 1298 surgiu a obra (“Il Milione” ou “La Divisament dou monde – Livre des Merveilles”). Destinou-se sobretudo a homens da corte, mercadores, missionários, navegantes, geógrafos e literatos. Aí encontramos a descrição fantástica de terras, povos, costumes, crenças, que muito impressionaram os leitores do seu tempo. No entanto, para os portugueses o livro tornou-se um “manual estratégico”, diríamos hoje, um “vademecum” do “plano da Índia”, referenciado pelo cronista Gomes Eanes de Azurara. E António Osório lembra que o livro contém “uma mensagem de tolerância, de confiança nos homens seja qual for o seu credo”. Lê-lo constitui um dever, já que esta “peregrinação” (que o poeta prefaciador compara, e bem, à de Fernão Mendes Pinto) antecipa a necessidade de nos abrirmos a outros povos. Constantinopla foi o ponto de partida e seguiram-se: Arménia, Ásia menor, Geórgia, Mosul, Bagdad, Pérsia… Muito depois da nobre cidade de Samarcanda, fica Lop (Gobi), o grande deserto, nos domínios do Grande Cã, supostamente senhorio dos tártaros, povo que Polo confunde com os mongóis. E fala-se de Caracoron e de um “Preste João famoso em todo o mundo pela sua grandeza” e refere-se a eleição do grande Cinghis Cã, antes do ano 1200. Esta foi das passagens mais discutidas do livro, onde se dava conta da morte do tal Preste João (chefe da tribo cristã dos Keraiti)… Depois do Catai, Marco Polo regressou pelo mar e descreve com o rigor possível o mar da China, Cipango (Japão), Ciamba (Indochina), Java, Samatra, Ceilão, Índia (Maabar e Melibar), Gozurat, Cormosa (Ormuz) até à Grande Turquia, com referências essenciais à costa oriental africana. Em suma, uma viagem fantástica pela Ásia das mil riquezas, que poderia estar ao alcance dos europeus…
Guilherme d’Oliveira Martins