A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

Da autoria de J.J. Gomes Canotilho acaba de ser publicada a obra «“Brancosos” e Interconstitucionalidade – Itinerários dos Discursos sobre Historicidade Constitucional» (Almedina, 2006) uma reunião de textos que nos permite interrogarmo-nos sobre os temas difíceis da legitimação política. O título só parecerá estranho aos mais distraídos, uma vez que parte da intriga de José Saramago no seu “Ensaio sobre a Lucidez”.

UM LIVRO POR SEMANA
De 12 a 18 de Junho de 2006


Da autoria de J.J. Gomes Canotilho acaba de ser publicada a obra «“Brancosos” e Interconstitucionalidade – Itinerários dos Discursos sobre Historicidade Constitucional» (Almedina, 2006) uma reunião de textos que nos permite interrogarmo-nos sobre os temas difíceis da legitimação política. O título só parecerá estranho aos mais distraídos, uma vez que parte da intriga de José Saramago no seu “Ensaio sobre a Lucidez”. Os “brancosos”, como se sabe, votavam em branco, para não escolher as “escolhas escolhidas” e Gomes Canotilho enxerta nessa conversa uma leitura aberta do americano Cass Sunstein e da sua “Republic.com”. Do que se trata é de falar do direito de participação cívica num novíssimo constitucionalismo inserido no direito da comunicação multimédia. Que “lucidez comunicacional, comunicativa e constitucional” estará subjacente à exigência de pôr em causa uma posição instalada e conformista, que chega às considerações do “partido sem partido” e da “constituição sem constituição”? A ideia de rede, em vez das pirâmides hierárquicas, obriga a seguir os caminhos labirínticos e incertos da mistura e do jogo, da procura imprevisível. A comunicação torna-se fragmentária. Em lugar de programas, constitui roteiros e hipertextos. A liberdade volta a ser dos antigos e dos modernos, ora na defesa da esfera privada, atacando os vários poderes de facto, ora no assumir da perplexidade de jogar ao gato e ao rato com os factores de coesão social. A democracia comunicativa é contraditória, entre a singularidade e a concentração de poder comunicacional. E o que significa participar? Como ir além do formalismo legitimador? Que cidadania será induzida pelos “ágoras” electrónicos? Que fronteiras haverá entre a autonomia e a tirania do número e do instantâneo? Que sociedade tecnotrónica nos será dada? “Os ‘brancosos’ são, afinal, contra”. Mas que significa isso, na prática? Invocam os valores, Kant e Habermas, Amartya Sen e Manuel Castells. No entanto, “seja em redes electrónicas, seja em redes populares de resistência comunitária, a história da luta pelo poder da identidade não tem fim”. E assim se transforma o tradicional constitucionalismo. Chegamos à “interconstitucionalidade”, que relaciona diferentes campos de governança – nacional ou estadual, local e supranacional. Mas sobram as perplexidades e as dúvidas. Como se ligam virtù e fortuna na boa governança plural e aberta de hoje? Alinhando textos importantes do percurso pessoal, vindo do conceito marcado de “constituição dirigente”, o autor demarca-se do entendimento do Estado como “homem de direcção”, exclusiva ou quase exclusiva, da sociedade. E aceita, com inteligente sentido crítico, a importância do reconhecimento do alto grau de diferenciação da estatalidade politicamente organizada – desde o Estado subsidiário aos modelos neocorporativos – o que nos conduz para os caminhos do “constitucionalismo moralmente reflexivo” e da responsabilidade, que põem a ênfase na “contratualização” (ou na mediação) em lugar da “direcção”. Trata-se de encorajar a “dinâmica da sociedade civil”. O “projecto emancipatório das constituições” deve prosseguir, assim, segundo o “patriotismo constitucional”, visando a atenuação das desigualdades, a diversidade cultural, a democracia e o desenvolvimento sustentável.


Guilherme d’Oliveira Martins

Subscreva a nossa newsletter