UM LIVRO POR SEMANA
De 22 a 28 de Maio de 2006
Em Maio de 1871, há 135 anos, iniciaram-se as Conferências do Casino Lisbonense, no Largo da Abegoaria. Recordamos, assim, Antero de Quental, principal animador do evento, através das “Prosas Sócio-Políticas”, publicadas e apresentadas por Joel Serrão (Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1982). O brado deveu-se à intenção de debater ideias novas, capazes de lançar o país numa via de evolução, e progresso. E percebe-se que a partir dessa vontade tenham surgido desconfianças e resistências. Os jovens animadores da iniciativa eram republicanos sociais, iconoclastas e democráticos que queriam romper com o liberalismo formal. “Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações”. As Conferências pretenderam, assim, “abrir uma tribuna”, onde tivessem “voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século”, segundo a preocupação com “a transformação social e política dos povos”. Daí os objectivos de “ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada”; de “procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa”; de agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna” e de “estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa”. Tratava-se de preocupar a opinião com o estudo das ideias que deveriam “presidir a uma revolução”, preparando e iluminando a consciência pública. Procurava-se uma base para uma “constituição futura”, mas também uma “sólida garantia à ordem”. E o grupo que lançava o repto democrático – Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga e Teófilo Braga – pedia o “concurso de todos”, partidos, escolas, pessoas, que, mesmo sem partilhar as opiniões dos subscritores do apelo de 16 de Maio de 1871, não recusassem a sua atenção “aos que pretendem ter uma acção – embora mínima – nos destinos do seu país, expondo publica mas serenamente as suas convicções e os resultados dos seus estudos e trabalhos”. À distância do tempo, podemos perceber pelo menos duas coisas: por um lado, estavam nesse grupo os intelectuais que maior influência teriam na sociedade do seu tempo e no século seguinte; por outro, agitavam as ideias fundamentais que marcariam a sociedade, a economia, a política e a cultura daí em diante. E se a proibição de uma das Conferências e a indignação, a começar no patriarca liberal Alexandre Herculano, tornaram ainda mais célebre a iniciativa, projectando-a em termos que não estaria nas previsões dos seus promotores, a verdade é que a palestra de Antero “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares” tornar-se-ia um ensaio obrigatório para compreender a ascensão e a queda da influência de Portugal e Espanha. “Façamos nós (…) diante do espírito de verdade, o acto de contrição pelos nossos pecados históricos, porque só assim nos poderemos emendar e regenerar”. “Que seria dos homens se, acima dos ímpetos da paixão e dos desvarios da inteligência, não existisse essa região serena da concórdia na boa-fé e na tolerância recíproca!” As causas da decadência eram de três ordens – moral, política e económica: as transformações religiosas do Concílio de Trento, o fim das liberdades locais por força do Absolutismo e o efeito funesto das riquezas provenientes das conquistas, por contraponto à liberdade moral, à emergência de uma classe média burguesa e à afirmação da indústria… E contra um quadro de “abatimento e insignificância”, haveria que contrapor o “espírito de independência local” e a “originalidade do génio inventivo”. Eis a atitude de Antero, como representante da geração nova.
Guilherme d’Oliveira Martins