UM LIVRO POR SEMANA
De 17 a 23 de Abril de 2006
Corre o cinquentenário da morte de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1956) e o centenário de Luchino Visconti (1906-1976). Daí recordar-se “Il Gattopardo”, o romance póstumo de Lampedusa (Feltrinelli, 1958), que ficou para sempre ligado ao filme de 1963, recriação e releitura geniais de uma obra inesquecível. A epopeia do romance liga-se à decadência da antiga aristocracia siciliana e à ascensão da nova burguesia, que aproveita o “Risorgimento” para se afirmar e singrar. Lampedusa atém-se, com especial ênfase, ao primeiro elemento (que conhece bem, por via familiar), enquanto Visconti prefere dar destaque ao confronto de classes e ao compromisso. Dir-se-ia que o Príncipe Fabrizio de Salina que nós conhecemos (e que associamos à efígie de Burt Lancaster) resulta de uma sobreposição entre dois registos autobiográficos, o de Lampedusa e o de Visconti. O livro e o filme tornam-se inseparáveis. Quando lemos um e vemos o outro temos a sensação de que estamos num vai-e-vem que nos remete constantemente de um para o outro. Assim, Visconti foi fiel ao essencial do romance. E se Lampedusa não pôde ver o sucesso do seu livro, e muito menos o filme, o certo é que, revisitando o livro, vemos que há um fluxo natural entre a obra e a sua ilustração. Estamos em 1860, no penúltimo capítulo da unificação italiana, antes da conquista dos Estados pontifícios (1870). Os Bourbons Duas Sicílias, de Nápoles, representam o absentismo e as concepções retrógradas sobre o mundo. O exército de Garibaldi e da unificação italiana, sob a égide do Piemonte de Victor-Manuel de Sabóia e de Cavour, trazem uma outra mentalidade e nova gente. Um soldado aparece morto na propriedade dos Salina. O facto interrompe a oração da família, que a princípio parece indiferente à algazarra. A trama desenvolve-se desde então. O Príncipe recusa a ideia de se deixar abater. Avalia as circunstâncias e joga com elas. O sobrinho Tancredi Falconeri (Alain Delon) ajuda-o. É um dos voluntários no exército de Garibaldi. O episódio da viagem para Donnafugata, desde a passagem na barricada revolucionária, por obra e graça dos conhecimentos de Tancredi, até às boas vindas na povoação, passando pelo ofício religioso a que o Príncipe assiste com a família, todos cobertos de pó, constitui a demonstração da atitude de Fabrizio. Ele dispõe-se ao compromisso, que se concretiza no casamento da filha do administrador da sua casa, Calogero Sedara (Paolo Stoppa), a deslumbrante Angélica Sedara (Cláudia Cardinale), com Tancredi. Fabrizio não se importa com os modos broncos de Calogero e é ele próprio que legitima Angélica na valsa que com ela dança no mítico baile. Ciccio Tomeo (Serge Regiani), o fiel companheiro de caça de D. Fabrizio, confessa-lhe que não entende o que se passa, e afirma a sua fidelidade à ordem antiga. Fabrizio compreende, mas prefere sobreviver, mesmo assumindo que os leopardos, ainda que na decadência, não gostam de caçar com os chacais… Afinal, como repete vezes sem conta, “é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”…
Guilherme d’Oliveira Martins