UM LIVRO POR SEMANA
De 3 a 9 de Abril de 2006
A leitura de “A Pesca à Linha – Algumas Memórias” de António Alçada Baptista (Presença, 1998) é motivo para encontrarmos um excepcional contador de estórias. Poderíamos ter escolhido falar de “Os Nós e os Laços”, exemplo do que Fr. Bento Domingues tem designado como teologia narrativa, ou de “Peregrinação Interior”, obra ensaística emblemática de uma época de abertura de novos horizontes. No entanto, se falamos de “A Pesca à Linha” é para salientar a importância do culto da memória, como modo de aprender com a vida, não através das formulações grandiloquentes, mas dos pequenos pormenores. A cada passo nos surpreendemos com a invocação sentida de amigos como Alexandre O’Neill, José Escada, Domingos Megre… De Alexandre, António recorda-nos as suas audácias publicitárias, como aquela em que propunha para o metropolitano, “Vá de Metro, Satanaz”, ou a outra em que, na campanha das praias, encontrava uma alternativa ao seu “Há mar e mar, há ir e voltar” – “Passe um Verão desafogado”… Mas, para além do humor, sente-se a força de um bom coração, bem evidente na evocação de Escada, sobre quem diz que “o mundo já estava demasiado errado ou ainda estava muito atrasado para aqueles que, sobre o universo e o homem, têm projectos de paz e de explosão interior”. E de Megre recorda-nos a generosidade do apoio à “aventura da Moraes”… Odylo Costa Filho foi quem deu ao António a chave do Brasil, ensinando que “o afecto é, apesar de tudo, o instrumento do futuro”… Lanza del Vasto lembrou-lhe que “o Senhor nunca mandou amar a humanidade. Mandou-nos amar o próximo…” Almada tinha a fórmula conhecida: “Quando nasci já estavam inventadas todas as ideias para salvar o mundo. Só faltava salvar o mundo…” Mas as emoções exigem sentido de humor, e capacidade de não nos levarmos demasiado a sério. Essa foi sempre a regra do autor e dos seus maiores amigos. Por isso, diz que nos faz falta uma “Teologia da Felicidade” (ou da Ternura, como diria Heinrich Böll). E daí a capacidade de encontrar motivos sérios de ironia – como no caso da embaixada do Brasil na Holanda, em que era difícil encontrar os funcionários. Porquê? “Então de manhã não vêm?”. Responde o porteiro: “Não. De manhã não vêm. À tarde é que não trabalham”. E sobre o materialismo dialéctico recorda José Guilherme Merquior: “acho que funciona como os candeeiros para os bêbedos, mais para se agarrar do que para iluminar”. De Bergamin recorda o que um dia disse: “Para encontrar a verdade é preciso perder a razão”, lembrando sempre que “se fosse objecto, era objectivo. Como sou sujeito, sou subjectivo”. A.A.B. descobriu ainda o seu destino tropical. Apaixonou-se pelo Brasil, por Cabo Verde e por Goa. Afinal, “o Sol e o espaço têm mais influência na expressão da nossa personalidade e nos nossos comportamentos vitais e culturais do que seria possível supor”.
Guilherme d’Oliveira Martins