Há
dez anos que António José Saraiva (1917-1993) nos deixou. No relançamento do
CNC, na segunda metade dos anos setenta, ele foi um dos animadores da revista
“Raiz e Utopia”. Gostava de analisar o mundo por um prisma próprio e original.
Preferia gerar perplexidades a buscar aplauso. Não podemos esquecer as sementes
de novidade e de inconformismo que lançou ao longo do seu magistério cívico e
intelectual.É uma das grandes referências intelectuais portuguesas do século
XX. Desde a “História da Literatura Portuguesa”, escrita e debatida com Óscar
Lopes, até à “Tertúlia Ocidental”, passando por “Maio e a Crise da Revolução
Burguesa”, Saraiva seguiu sempre o seu próprio caminho, criando iras e inimigos.
Como diz Eduardo Lourenço: “AJS nunca variou de estilo, e o estilo é realmente o
homem. Mais do que ´marxista´ no sentido habitual do termo e, sobretudo, no uso
português dessa ideologia, AJS foi um autor extremamente original, de uma
liberdade de tom suprema, desabotoado no sentido próprio e figurado e da mais
rara das coragens: a de mudar de opinião se a reflexão, a experiência, a
informação lhe pediam ou exigiam essa espécie de autonegação”. Só quem não o leu
ou quem não o compreendeu pode ter-se surpreendido com um percurso sempre fiel
ao espírito crítico e à denúncia, na senda de António Sérgio, da “escandalosa
indigência crítica” ou da “intermitência crítica” da pátria? Bastaria ter lido
“Herculano e o Liberalismo em Portugal” (1949) para perceber a fibra de Saraiva
e a sua independência de espírito – “aí elogiava já Herculano (continua
Lourenço) por não se ter rendido ao chamado ´processo histórico´e adivinha-se o
seu aplauso ao indomável ´individualismo´do autor do Eurico. Todo o seu
libertário pendor rosseauista de grande amador de passeio e escalada de montanha
nos Pirinéus está incluso nessa apologia do individualismo herculaniano”. Obra
viva como poucas, de alguém que nunca foi idólatra do que quer que fosse – eis
como tem de ser visto o seu testemunho intelectual.
Guilherme d´Oliveira Martins