UM LIVRO POR SEMANA
De 28 de Novembro a 4 de Dezembro de 2005
Italo Calvino (1923-1985) é o autor de algumas das obras mais estimulantes da cultura contemporânea. A sua vivacidade e cultura, a capacidade de jogar com a ironia, a fina inteligência projectam o nosso tempo para além do lugar comum. Falo hoje de “Porquê Ler os Clássicos” (Milão, 1991), que José Colaço Barreiros traduziu (Teorema, 1994). É uma obra imprescindível para quem queira entender a importância de frequentar os clássicos. Longe de procurar dar os clássicos em comprimidos, Calvino incentiva os seus leitores a lerem as grandes obras. É como se entrássemos numa sala, onde decorre um serão de celebridades e o autor funcionasse apenas como um anfitrião, educado e culto, disponível para nos apresentar aos seus convivas – Homero, Xenofonte, Ovídio, Plínio (o antigo, naturalmente), Ariosto, Galileu Galilei, Cyrano de Bergerac, Daniel Defoe, Voltaire, Diderot, Stendhal, Balzac, Dickens, Flaubert, Tolstoi, Mark Twain… Atordoados percebemos que tudo se passa como se Virgílio nos conduzisse e como se nós fossemos Dante. Mas ainda não refeitos das impressões da primeira sala, eis que a apresentação continua estonteante… Henry James, R.L. Stevenson, Conrad, Pasternak, Gada, Montale, Hemingway, Ponge, Borges revelam-se-nos pelo espírito e pelo talento. Mas Calvino, ao apresentar-nos essas fulgurantes sombras vivas, põe-nos alerta contra a tentação de os vermos superficialmente. Na idade madura a leitura dos clássicos permite-nos apreender melhor a sabedoria. Os clássicos são livros que exercem especial influência. E se muitas vezes se diz que “relemos” os clássicos, a expressão é pretensiosa e falsa. Afinal, devemos sempre “ler” como se fosse a primeira vez. Quantas vezes não é mesmo a primeira vez?… Parodoxo? “De um clássico toda a releitura é uma leitura de descoberta igual à primeira”. “ De um clássico toda a primeira leitura é na realidade uma releitura”. Porquê? Porque um clássico “nunca acabou de dizer o que tem a dizer”. Como esquecer a marca das “odisseias” na nossa cultura? Como não testar com Kafka se o adjectivo kafkiano faz sentido? Mallarmé procurava a ideia do livro total e, no fundo, o clássico “é o que não pode ser-nos indiferente e que nos serve para nos definirmos a nós mesmos em relação e se calhar até em contraste com ele”. E assim a actualidade torna-se ruído de fundo, mas o “clássico” deixa de poder viver sem esse ruído, pois é ele que o mantém vivo e legível, para além das contingências. E ser clássico é ter força suficiente para vencer as barreiras do tempo e para se tornar ruído de fundo da actualidade. E perguntaram a Calvino sobre o porquê de ler os clássicos. E ele respondeu com clareza mas de modo desconcertante – “ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos”. E citou Cioran: “Enquanto lhe preparavam a cicuta, Sócrates pôs-se a aprender uma ária na flauta. Para que te servirá?, perguntaram-lhe. Para saber esta ária antes de morrer”. Apenas.
Guilherme d’Oliveira Martins