Reflexões

De 8 a 14 de Agosto de 2005

Alexis de Tocqueville nasceu há duzentos anos, em 29 de Julho de 1805. A argúcia, o realismo, a inteligência e as circunstâncias em que viveu fizeram deste aristocrata liberal um dos melhores estudiosos da Revolução, através de uma obra fundamental, (…)

REFLEXÃO DA SEMANA
De 8 a 14 de Agosto de 2005


Alexis de Tocqueville nasceu há duzentos anos, em 29 de Julho de 1805. A argúcia, o realismo, a inteligência e as circunstâncias em que viveu fizeram deste aristocrata liberal um dos melhores estudiosos da Revolução, através de uma obra fundamental, que põe em confronto o Antigo Regime e as mudanças iniciadas em França no ano de 1789, e o melhor dos analistas da Revolução americana e das suas consequências. Viu, assim, com notável espírito de antecipação, os perigos que se desenhavam, mas também as potencialidades em resultado das revoluções democráticas, inglesa, americana e francesa. À força do destino e do fatalismo atávicos soube contrapor as ideias de liberdade, de autonomia individual e de responsabilidade, que conduziriam à emancipação pessoal. Tocqueville (1805-1859) fez uma leitura da democracia americana contrapondo-a à necessidade da revolução, afirmando que “quem procura na liberdade outra coisa diferente dela mesma, é porque está feito para servir”… E, assim, enriqueceu o conceito de comunidade política com o entendimento pioneiro de um federalismo de dupla legitimidade, da União e dos cidadãos, apto a consolidar o entendimento moderno de cidadania universal. O “primado da lei” torna-se “uma espécie de amor instintivo pelo encadeamento regular das ideias que tornam (os cidadãos) naturalmente fortes opositores do espírito revolucionário e das paixões irreflectidas da democracia”. Alexis de Tocqueville colocou-se na situação de quem quis verificar como as sociedades poderiam lidar com a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Viu, antes de muitos outros, como se iria configurar a sociedade em que hoje vivemos, onde a igualdade se tornou a verdadeira pedra de toque, mas também o quebra-cabeças. Pedra de toque, porque a liberdade exige a igual consideração e respeito de todos. Quebra-cabeças porque há um dilema permanente entre a liberdade e o reconhecimento das diferenças, que conduz ora à tirania do igualitarismo ora à abstracção da liberdade. A insubmissão é marca de liberdade e independência. O conformismo igualitarista, aliado à mediocridade, seriam perigos que levariam à tirania à indiferença. Importaria, por isso, garantir que igualdade e liberdade se completassem. Daí a importância do associativismo livre, da liberdade de imprensa, da liberdade religiosa (e de um “cristianismo democrático e republicano”, para o qual a verdade política foi deixada por Deus “às livres indagações dos homens”), bem como da vivência comum dos valores da cidadania, contra o egoísmo e a inveja. Por isso mesmo, A. de Tocqueville profetiza que não será a igualdade a causar perturbações sociais, mas sim a desigualdade de condições, antecipando a importância dos grandes combates cívicos e políticos das sociedades contemporâneas. Raymond Aron foi talvez o primeiro a compreender a força e a actualidade de Tocqueville, colocando-o ao lado de Montesquieu, no fino entendimento das condições e das consequências sociais dos regimes políticos. A actualidade da escrita de Tocqueville vem da força de uma ética e do despojamento das considerações valorativas datadas e previsíveis. E assim o pluralismo e o respeito mútuo surgem como factores de enriquecimento humano, social e político – porque a liberdade só faz sentido quando assumida, por si mesma, por iguais e entre iguais, em dignidade e em direitos.



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