Pode a cultura ser factor de Paz? Começa a sentir-se o cheiro da
pólvora. Há no horizonte o risco de o mundo entrar numa
perigosa aventura de guerra com consequências imprevisíveis.
A cultura da paz não pode confundir-se com complacência perante
o incumprimento dos mais elementares deveres impostos pelo Direito Internacional,
mas também não deve dar pretexto a um corte entre culturas
e civilizações. "A guerra é sempre uma derrota
do pensamento e da invenção. Apenas lhe devemos ceder, após
uma análise escrupulosa de todas as soluções pacíficas
possíveis e dos respectivos custos" – afirmava há dias
o editorial da revista dos jesuítas "Études" (n.º
3981, Paris, 2002), sobre a ameaça de guerra no Iraque. Num dos
textos publicados, Dominique David dizia mesmo, com toda a clareza: "É
bem possível que este notável poder (americano) de impor
a ordem se transforme em aparelho de produzir desordem". Voltando
a uma expressão antiga, estaríamos desse modo regressados
à desordem estabelecida, agora na ordem internacional. O Sr. Saddam
Hussein é uma figura hedionda, mas também é certo
que uma guerra sem a legitimação das Nações
Unidas só favorecerá o "choque das civilizações"
e o reforço dos fundamentalismos. A divisão europeia é,
assim, muito nefasta, porque dá novos pretextos a muitos apoiantes
o terrorismo internacional contra a posição do mais elementar
bom senso – a solidariedade atlântica só faz sentido pleno
se for compartilhada por toda a Europa. Precisamos de mais Europa política
e de mais respeito pelo primado do Direito Internacional. Eis porque devemos
usar a inteligência e um claro sentido de uma cultura de paz – que
combata eficazmente o terrorismo, os radicalismos e o risco de abrirmos
uma caixa de Pandora no conflito entre civilizações. Num
debate promovido no último número da revista norte-americana
"Dissent" (Fall 2002, vol. 49, n.º. 4), um dos editores,
o filósofo Michael Walzer punha a questão em termos muito
claros: "desejo ver funcionar o sistema de inspecção
– e ver funcionar numa via que represente um ganho para as Nações
Unidas, que não tem tido muitos ganhos, e que podem ser destruídas
com um falhanço neste domínio. Apoiaria uma guerra das Nações
Unidas para aplicar a inspecção, não apoiaria uma
guerra dos Estados Unidos para uma mudança de regime (ainda que
não possa negar que o regime iraquiano precisa de mudança)"
– cf. www.dissentmagazine.org . Do que se trata, afinal, é de não
conciliar com o ditador, mas também de não aceitar a "National
Security Strategy" e a doutrina da guerra preventiva, que contraria
claramente a Carta das Nações Unidas e o Direito Internacional.
A cultura tem uma palavra a dizer, contra as barbáries!
Guilherme d`Oliveira
Martins
Presidente do Centro Nacional de Cultura