Como se lê no poema de Baudelaire, “tout homme digne de ce nom / A dans le cœur un serpent jaune”. No coração de Antero de Quental, a “serpente amarela” foi a doença incurável, que ao longo de décadas o envenenou espiritual e intelectualmente. Ao longo da vida, Antero viveu em luta contra doenças mais ou menos latentes no seu organismo. Ora convalescendo de uma crise nervosa em Guimarães, na quinta de Sant’Ana (em 1867, ano da morte de Baudelaire), ora confinando-se ao seu quarto de enfermo onde passou semanas e meses em estado depressivo crónico e em profunda prostração, Antero torturou-se com crises de solidão.
Adoeceu gravemente em março de 1874 e, decidido a aconselhar-se com especialistas estrangeiros, foi a Paris consultar o célebre médico Jean-Marie Charcot que lhe fez um diagnóstico imprevisto: “On s’est trompé; vous n’avez rien à l’épine; vous avez une maladie de femme transportée dans um corps d’homme; c’est l’hystérisme”. Uma doença de mulher no corpo de um homem! Por recomendação de Charcot, Antero foi fazer um primeiro tratamento hidroterápico na clínica de Bellevue, a uns 40 quilómetros de Paris, e foi aí que se apaixonou por uma companheira da doença, uma misteriosa relação amorosa.