Lembramo-nos do testemunho de Fernando Lopes sobre a sua escolha para protagonizar “Uma Abelha na Chuva” de Carlos de Oliveira. Olhando-a, percebeu que a literatura a antecipara. Maria dos Prazeres era ela!
Ao revermos o filme temos o retrato de uma sociedade que está já distante, ainda que a tenhamos tão próxima.
Ao lado de João de Ávila recordamo-la na continuidade do Grupo Fernando Pessoa, que nasceu como ideia e projeto com Fernando Amado, aqui no Centro Nacional de Cultura e na Casa da Comédia… Foi uma mulher do Teatro, que se multiplicou em personagens e sobretudo na busca incessante da palavra e das palavras. Num gesto último de grande generosidade legou o seu corpo à investigação científica – ciente de que assim o espírito continuará connosco, como afirmação perene da cultura e da vida… A sua voz, a sua imagem, a sua beleza, a sua pessoa…
O Centro Nacional de Cultura honra a sua memória e apresenta as condolências à família.
A atriz Laura Soveral tinha 85 anos. Trabalhou em teatro, cinema e televisão. Entre os muitos trabalhos que fez, participou em Uma Abelha na Chuva (1972), de Fernando Lopes, e em Tabu, de Miguel Gomes (2015).
Entre os prémios que recebeu destacam-se o Prémio Bordalo, em 1968, e o Prémio Sophia de Carreira, em 2014.
Laura Soveral nasceu em Benguela, Angola, em 1933. Foi em Lisboa que começou a sua carreira como atriz, no Grupo Fernando Pessoa, dirigido por João d’Ávila. Estudou Filologia Germânica na Faculdade de Letras e depois mudou-se para o Conservatório Nacional.
Em 1968 recebeu o prémio de Melhor Atriz de Cinema, do SNI, pela sua participação em Estrada da Vida, de Henrique Campos. No teatro, nesses primeiros tempos, destacou-se em O Processo de Kafka (1970), com o Grupo de Ação Teatral e encenação de Artur Ramos, ao lado de Sinde Filipe, Victor de Sousa, Santos Manuel, Glicínia Quartim e muitos outros. E depois também em Depois da Queda, de Arthur Miller, também encenada por Artur Ramos, com atores como Rogério Paulo, Lourdes Noberto e outros.
Em 1972, participou no filme Uma Abelha na Chuva, de Fernando Lopes, que adaptava o romance de Carlos de Oliveira e foi uma das obras marcantes do Cinema Novo.
Depois do 25 de Abril viveu no Brasil onde chegou a participar em telenovelas da Globo, como por exemplo O Casarão. No regresso aos palcos portugueses, pudemos vê-la em A Segunda Vida de Francisco de Assis, no Teatro Aberto (1987), numa encenação de Norberto Barroca. Com a Cornucópia fez Primavera Negra, em 1993, encenada por Luís Miguel Cintra. Nos anos 1990, fez vários espetáculos com A Barraca.
No cinema, entrou em filmes como Francisca, Vale Abraão e A Divina Comédia, de Manoel de Oliveira, O Fatalista e Tráfico, de João Botelho, e O Delfim, de Fernando Lopes, entre muitos outros.
Recorde Laura Soveral no filme Tabu, em 2015:
Nos últimos anos, trabalhou sobretudo em televisão. O seu último trabalho foi a telenovela da TVI Belmonte. Participou em séries como Morangos com Açúcar, Chiquititas, Liberdade 21, Tempo de Viver, Ricardina e Marta e Passerelle, entre muitas outras, nos vários canais.
A Academia Portuguesa de Cinema distinguiu-a em 2013, com o Prémio Carreira e, em 2017, com o Prémio Bárbara Virgínia, de homenagem a mulheres do cinema português. Na altura, a academia disse que Laura Soveral representava “um extraordinário exemplo de determinação e profissionalismo para gerações futuras”.
Laura Soveral sofria de ELA – esclerose lateral amiotrófica e encontrava-se internada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Doou o seu corpo à ciência, pelo que não haverá cerimónias fúnebres.
por Maria João Caetano in Diário de Notícias | 12 de julho de 2018
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias