UM PENSADOR DOS VALORES
Homenagear António Braz Teixeira é recordar um amigo e um mestre. Há muito que nos ensina, com meridiana coerência e clareza, na linha do saudoso mestre Miguel Reale, que as “constantes ou invariáveis axiológicas”, enquanto ideias diretoras universais da conduta ética e jurídica, condicionam decisivamente a configuração do Direito. Deste modo, os valores éticos não são objetos ideais, modelos estáticos, mas inserem-se na experiência histórica, através de um processo ou de um nexo de implicação e polaridade. Assim, os valores não possuem uma “realidade ontológica”, são referência à pessoa do sujeito, têm uma objetividade relativa, uma vez que são objeto de realização na História. Deste modo, a dignidade da pessoa humana torna-se referência angular, já que “enquanto autoconsciência do espírito como valor”, constitui “o valor primordial ou o valor-fonte de todos os demais valores”. Assim, diversidade cultural e pluralismo têm de ser preservados, com especiais cautelas, contra a homogeneização ou a harmonização indiferenciada. E se falamos de memória e de raízes comuns, a verdade também é que estamos perante a construção inédita e original de uma cultura de paz baseada na extensão do Estado de direito, na diversidade das culturas, na soberania originária dos Estados-nações, na dupla legitimidade (dos Estados e dos cidadãos ou povos), na adequação de objetivos comuns à heterogeneidade social e cultural, pondo a tónica na criação de um espaço de respeito mútuo e de partilha de responsabilidades no âmbito do desenvolvimento humano. Eis por que razão se tornou importante a procura dos direitos da pessoa humana e de um “património cultural comum”, implicando as ideias de proporção e de ordem, na realização do bem comum, segundo uma referência exigida pelos valores da pessoa e pelo desenvolvimento da cultura.
UM ENTENDIMENTO HUMANISTA
António Braz Teixeira, num entendimento humanista e personalista, lembra-nos, assim, que o fim do Direito é o Bem Comum e que a Justiça é um valor moral que impõe outro valor, o Direito, ao qual “impõe uma forma e um conteúdo determinados”. As relações entre ambos têm natureza axiológica, impondo-se como Direito e tornando a Justiça valiosa essa imposição. E “porque o direito assenta na moral, o que é imposto sob forma jurídica para realizar o Bem Comum vem a coincidir com o mínimo ético exigido, em cada momento, pelo espírito objetivo da comunidade”. Ora, lembrando as ideias diretoras universais da conduta ética e jurídica, que condicionam a configuração do direito positivo, fácil é de entender a importância destas considerações a propósito de uma disciplina nova do campo do Direito. E essa disciplina põe os direitos culturais no centro do moderno Direito Público e da Filosofia jurídica. No fundo, trata-se de procurar os caminhos adequados para garantir a um tempo o reconhecimento das diferenças culturais contra todas as tentações de homogeneização e de centralização uniformizadora, bem como da importância da preservação e do desenvolvimento da proteção dos valores comuns da cultura. Fora da absolutização do Estado ou da sua menorização, o que se impõe é equilibrar, a partir do respeito universal dos direitos, liberdades, garantias e responsabilidades da pessoa humana, as legitimidades centradas nos Estados, nas instituições mediadoras, capazes de ligar representação e participação e nos cidadãos, segundo a partilha de soberanias inerente ao alargamento das experiências democráticas.
“A cultura, porque criação humana – afirma ABT -, é marcada, simultaneamente, pela temporalidade, pela historicidade e pela objetividade, já que a obra de arte, a proposição filosófica, a norma jurídica, uma vez criadas ou formuladas, adquirem vida própria, tornam-se como que independentes do seu autor e do seu criador, são portadoras de um sentido próprio e seu, aberto dinamicamente ao conhecimento e à interpretação vivificante daqueles que com elas entram em contacto, sendo nessa relação, a um tempo cognitiva e estimativa, que plenamente são e adquirem a sua plenitude de ser”. Por um lado, não se esquece a visão marcada pela História, mas, por outro, lembra-se a circunstância pessoal e comunitária, que projeta a vida individual para além de uma visão autorreferenciada, fechada e redutora. E a saída está na consideração de uma tripla dimensão da vida humana, como realidade individual, social e histórica, “as três constituindo o ser pessoal do homem”.
*
Se hoje falo do humanismo axiológico de um amigo, não posso deixar de invocar a memória do Engenheiro Amândio Secca, que conheci e de quem me tornei amigo próximo, através do meu saudoso Amigo José Rodrigues, e que se tornou a grande Alma da Cooperativa “Árvore”. Voltarei a falar dele, mas devo hoje, como fiz na cerimónia da Universidade do Porto deste fim de semana de aniversário de “As Artes entre as Letras”, deixar aqui a minha sentida e comovida homenagem!