Crónicas de Viagem - COCHINCHINA

Cochinchina – Crónica I

A herança portuguesa no Vietname e no Camboja leva-nos aos locais de memória dos portugueses por terras da Cochinchina.

26 de agosto a 9 de setembro 2017
Guia: Alexandra Pelúcia
No âmbito do Ciclo de Viagens “Os Portugueses ao encontro da sua História”
 
 

28 de agosto – Ho Chi Minh

Quando falamos da expansão portuguesa para o Oriente, vêm-nos certamente à ideia Goa, Damão e Diu, Malaca, Macau, mas provavelmente menos a Cochinchina ou as localidades que constituem hoje o Vietname ou o Camboja. Foi precisamente em busca de memórias e vestígios da passagem e da presença de portugueses no sudeste asiático que viajou o Centro Nacional de Cultura neste final de agosto de 2017. Somos guiados nesta busca pela Professora Alexandra Pelúcia, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e do CHAM – Centro de Humanidades (ex-CHAM) da Universidade Nova de Lisboa.

O ponto de partida desta ‘redescoberta’ cultural foi a cidade de Ho Chi Minh, no Vietname.
No primeiro dia desta nossa visita, percorremos esta urbe de cerca de 12 milhões de habitantes procurando não, sobretudo, memórias da presença portuguesa, mas impressões da contemporaneidade social, política e cultural da cidade e deste país. Fomos acompanhados nesta visita por uma guia local.

Antes de mais, será importante lembrar que o próprio topónimo ‘Cochinchina’ deve ser atribuído a portugueses: ele surge, pela primeira vez, numa carta de 1502, o mapa ou planisfério de Cantino, cópia do mapa-padrão da Casa da Índia em constante atualização, correspondendo ao Norte do atual Vietname. Cochinchina ficou desde esses tempos associada, na mente dos portugueses, à ideia de uma terra remota, dificilmente alcançável. Como chegou esta informação aos cartógrafos portugueses é tema a explorar nos próximos dias quando nos embrenharmos no interior deste país.

A nossa visita teve início na atual sede jesuíta no Vietname, Thu Duc, onde o Irmão Juan nos expôs a diferentes momentos da história conturbada da Companhia de Jesus nesta região até aos nossos dias. Os primeiros jesuítas portugueses chegaram à Cochinchina em 1616, ao abrigo do convite de D. João III, desde 1541, à Ordem para que contribuísse para a missionação e cristianização nas terras ‘descobertas’. A chegada dos Jesuítas materializou-se como consequência da sua expulsão do Japão, juntamente, aliás, com japoneses já cristianizados. Em Thu Duc, pudemos observar, por exemplo, uma lápide de que constam, entre os nomes de jesuítas que deixaram traço na Cochinchina, o de Francisco de Pina, a quem coube um papel decisivo na romanização da língua local. Já no século XX, após vinte anos de ‘clandestinidade’ que se seguiu à reunificação, a Ordem pôde retornar em 2000 e inaugurar, em 2016, a sua nova sede.

Dediquemos agora atenção à própria cidade de Ho Chi Minh. Esta cidade é porventura melhor conhecida como Saigão. A nova designação ficou estreitamente associada à independência e reunificação do Vietname resultantes da vitória das forças comunistas na guerra que as opôs aos Estados Unidos da América e ao Vietname do Sul e que se encontra ainda muito viva na memória de alguns de nós e em particular da geração que ganhou consciência política nas vésperas do 25 de Abril em Portugal. Ho Chi Minh foi o maior herói da luta do Vietnam pela independência, inicialmente face aos franceses, logo após a 2ª Guerra Mundial, e nos anos 60/70, na condução do Vietminh à vitória contra os Estados-Unidos da América e de seguida à reunificação do país, em 1976.

Ho Chi Minh é hoje uma cidade de 12 milhões de habitantes, de avenidas largas e ruas movimentadas, numa dinâmica de crescimento manifesta na construção de numerosos arranha-céus que previsivelmente transformarão o perfil geral desta cidade num próximo futuro. O Arquiteto Sérgio Pereira da Silva guiou-nos pela cidade e pelo seu urbanismo. Chamou, em particular, a nossa atenção para as “casas tubo”, prédios em regra de três ou quatro andares extremamente estreitos que encimam lojas de comércio no piso térreo e sem porta de acesso direto para a rua.

A movimentação nas ruas e avenidas é, por seu lado, marcada pelos verdadeiros ‘enxames’ de motorizadas. De acordo com os relatos informados que ouvimos ao Arquiteto Sérgio Pereira da Silva, o número de motorizadas iguala praticamente os 12 milhões de habitantes da cidade. O arquiteto é um dos 30 portugueses que vivem atualmente no Vietnam, onde desenvolve atividade profissional e desenvolve um projeto de doutoramento, no quadro da Universidade Aberta, sobre habitação ambientalmente sustentável, tomando como caso de estudo as habitações no delta do Mekong, região a que será dedicada a nossa visita de amanhã. 

A nossa jornada de Ho Chi Minh conduziu-nos à Estação dos Correios e à Catedral de “Notre Dame” (em obras de restauração, neste momento), edifícios dos finais do século XIX, período da colonização francesa.
 
Ambos são exemplares claros da arquitetura colonial que caracteriza uma área considerável do centro da cidade. Visitámos outros edifícios, com mais demora, porque merecida: o Museu das Belas Artes (Fine Arts Museum of Ho Chi Minh City) e o Palácio da Reunificação, expressões, estes, de arquitetura modernista. O Arquiteto Pereira da Silva alertou-nos ainda para a “tropicalidade” destes edifícios, desenhados de forma a assegurar a sua ventilação e arejamento, tão necessários na atmosfera quente e húmida que envolve a cidade.

No Museu de Belas Artes, instituído em 1975, obtivemos uma visão de conjunto da arte vietnamita do século XX. De destacar a originalidade das obras de pintura e gravura em laca e, numa perspetiva distinta, quer as influências estrangeiras (designadamente, da corrente impressionista europeia), quer as obras que poderíamos talvez qualificar de “propaganda”, dos anos 60 e 70 do século XX, refletindo o trabalho rural ou a ação da guerrilha durante as guerras contra as potências estrangeiras. Um exemplo: uma escultura de Nói Dan Da Lan intitulada ‘Suffering from Agent Orange’, representando uma mulher protegendo a face e segurando uma criança morta pela ação de um desfoliante utilizado por americanos na Guerra do Vietname.

O Palácio da Reunificação, originariamente Palácio da Independência e residência presidencial, renovado nos anos 40, é utilizado hoje, sobretudo, em eventos oficiais, e encontra-se aberto ao público, que ali pode acompanhar, pela leitura da informação exposta nas suas diversas salas e salões, episódios interessantes da história política do Vietname no século XX. Particularmente impressionante, o bunker subterrâneo deste palácio, onde o presidente Thieu e sua família se refugiaram em abril de 1975, quando da chegada das forças comunistas vitoriosas do Vietnam do Norte a Saigão.

Conhecer uma cidade sempre aconselha uma passagem pelo mercado. Foi o que fez o grupo do CNC: num mercado que é certamente dos maiores desta cidade, situado num edifício modernista (mais um), com vários pisos, deixámo-nos envolver na atmosfera viva e colorida de frutos e especiarias, variedades múltiplas de peixe e marisco secos, tecidos a metro, sapatos, etc., num conjunto organizado e asseado, servido por lojistas locais sorridentes e discretos.

28 de agosto de 2017 ® Maria Eduarda Gonçalves

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