ANTES DO MAIS, EUROPEU
A biografia hoje referenciada salienta as excecionais qualidades políticas e militares do «Bolonhês», bom conhecedor da Europa e das melhores práticas governativas, quer em virtude da sua experiência em França, onde viveu durante 16 anos – sob a influência de sua tia D. Branca de Castela (1188-1252) e, mais tarde ao lado de seu primo, Luís IX (S. Luís), com quem ganhou fama de excelente homem de armas – quer ainda pelo facto de ter acompanhado sua irmã D. Leonor, precocemente falecida, como rainha da Dinamarca (1211-1231). Esse conhecimento e as qualidades desenvolvidas permitiram no seu reinado ter tomado medidas fundamentais para a afirmação de um reino moderno e precursor em muitos domínios – abrindo caminho ao reinado extraordinariamente fecundo de D. Dinis. Por exemplo, as Cortes de Leiria de 1254 são um momento fundamental, por serem as primeiras que contam com a participação, entre nós, dos representantes do terceiro estado – o Povo, fator premonitório na configuração da legitimidade do Estado no final da Idade Média. Com especial significado, em termos práticos, para a afirmação do reino de Portugal, merece especial referência a conquista do Algarve e o complexo processo que conduziu ao seu reconhecimento desse facto. Em 16 de fevereiro de 1267, há sete séculos e meio (como foi assinalado, em boa hora, pela Universidade do Algarve) foi firmada a Convenção de Badajoz entre o rei de Castela Afonso X, o Sábio (poeta maior do galaico-português), e o rei de Portugal, Afonso III. Este assumira a legitimidade real, após a guerra civil, que o opusera a seu irmão D. Sancho II, deixando o condado de Bolonha. O acordo firmado em Badajoz estabelecia que daí para o futuro o rei de Portugal renunciaria a qualquer direito sobre os territórios entre os rios Guadiana e Guadalquivir a favor do rei de Castela, seu sogro, desde que desposara D. Beatriz em 1253. Assim, foram cedidas as terras de Aroche e Aracena – estabelecendo-se que da confluência do rio Caia à foz do rio Guadiana, o limite da fronteira entre os domínios dos dois monarcas seria este curso de água. A norte de Elvas, as terras de Arronches e Alegrete ficariam pertencendo ao rei de Portugal e ao de Leão e Castela as de Marvão e Valença de Alcântara. Afonso X renunciava, deste modo, definitivamente ao reino do Algarve, ordenando que se fizesse a entrega imediata ao rei de Portugal dos castelos ainda à guarda dos seus lugares-tenentes. A partir da Convenção de Badajoz, para regularizar a fronteira a estabelecer com D. Dinis em Alcanizes (1297) só faltaria incorporar no reino de Portugal a comarca de Riba Coa.
A CONSOLIDAÇÃO DE PORTUGAL
Este acordo de Badajoz, assumirá especial importância, atribuindo a D. Afonso III o papel crucial de definidor do Reino de Portugal como origem da Nação – não apenas nos seus limites essenciais, mas na sua organização política, económica, cultural e administrativa, com novo centro de poder em Lisboa, em lugar de Coimbra. Para compreender o significado pleno deste papel, temos de recordar que o reino do Algarve (Al Gharb do Al-Andaluz, ocidente da Andaluzia) coincidia parcialmente, a oeste, com a antiga taifa ou reino de Niebla, que tinha permanecido depois da conquista de Sevilha por Castela nas mãos de Ibn Mahfut. Este, para salvaguardar a sua frágil autonomia, manifestamente precária, declarou-se vassalo do rei de Castela, Afonso X, desde 1253, tendo reconhecido em 1262 a definitiva perda da independência. No entanto, ainda antes de Afonso X ter sucedido a Fernando III, em 1252, já Afonso III tinha concretizado a conquista do Algarve, em 1249. Tal não tinha, porém, reconhecimento de Castela, em virtude de compromissos assumidos com o rei deposto Sancho II, o que motivou que Afonso X, uma vez aclamado, tenha tomado medidas concretas no sentido da afirmação da soberania sobre o Algarve – pedindo mesmo a restauração do bispado de Silves. O conflito entre os dois monarcas era manifesto – tendo apenas sido atenuado a partir do casamento de Afonso III com D. Beatriz, filha de Afonso X (1253). Recorde-se que o casamento com a condessa de Bolonha, D. Matilde, teve de ser anulado para permitir a solução política que consolidou os poderes do rei de Portugal. Apesar de tudo, ainda em 1254 Afonso III protesta com veemência contra os atos unilaterais de Afonso X em território algarvio, no tocante à posse de Lagos, Albufeira, Faro, Tavira e Silves. O Papa apela, entretanto, a um acordo efetivo e Afonso III parece aceitar uma solução jurídica transitória – Afonso X continuava a considerar-se Senhor feudal do Algarve, mas Afonso III reivindicava o domínio do território. Em 1261, nasceria o futuro rei D. Dinis, sendo em 1263 nomeada uma comissão entre os dois reinos para tratar da divergência de fronteiras. Em 1264, Afonso X cede, porém, às pretensões portuguesas e atribui os seus direitos a seu neto D. Dinis, por ser de seu sangue, estabelecendo uma contrapartida de cinquenta lanças. Essa solução seria, contudo, transitória até à celebração do Tratado de Badajoz. À definição da fronteira, associa-se a institucionalização política, jurídica e administrativa de Afonso III, reconhecido como rei de Portugal e do Algarve. É o tempo da nomeação de um Bispo pelo rei de Portugal, Frei Bartolomeu, bem como da centralização da coroa, da política anti-senhorial e da aliança do poder real com os Concelhos por contraponto aos poderes do Alto Clero e da Alta Nobreza – que Sancho II não tinha assegurado, enfraquecendo a independência do Reino. O antigo reino de Niebla ficará, assim, dividido pelo rio Guadiana, cabendo ao rei de Portugal o Algarve. Com a morte de Afonso X, sua filha D. Beatriz, como testamenteira, ainda foi designada para receber o reino de Niebla, num afloramento do conflito com Sancho IV. Mas este impõe-se como novo rei de Leão e Castela, com todos os inerentes direitos. E D. Dinis, sucedendo a seu pai (1279), garantirá plenamente a orientação do «Bolonhês», reforçando-a definitivamente – pela prevalência centralizadora e redução dos poderes senhoriais, pela fronteira e pela língua.
Guilherme d’Oliveira Martins
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