A Vida dos Livros

De 15 a 21 de fevereiro de 2016

«Os Doze de Inglaterra» de Eduardo Teixeira Coelho (Gradiva, 2015), que acaba de ser publicado com a inexcedível qualidade do apoio técnico e artístico de José Ruy, é uma merecida homenagem ao mais internacional dos desenhadores portugueses de Banda Desenhada, quando se celebram os 80 anos de «O Mosquito».

UMA OBRA-PRIMA ATÉ AQUI SEM ALBUM

Eduardo Teixeira Coelho, ETC (1919-2005) é uma referência na história europeia e mundial da BD, como é reconhecido pelos maiores especialistas. Começou a colaborar no «Sempre Fixe», com apenas 17 anos e a partir de 1943 vem-lo nas páginas de «O Mosquito», ao lado do argumentista Raul Correia. Aí assina «Os Guerreiros do Lago» (1945); «Os Náufragos do Barco sem Nome» (1946); «Falcão Negro» (1946-49); «O Caminho do Oriente» (1946-48); «Sigurd, o Herói (1946); «A Lei da Selva» (1948); «Lobo Cinzento» (1948-49); «A Torre de D. Ramires» (adaptação de Eça de Queiroz, a que se seguirão outras); «O Defunto» (1950); «O Suave Milagre»; «Os Doze de Inglaterra» (1950-51» e «A Ásia» (1952). O «Cavaleiro Andante» foi também beneficiário de belas mas esporádicas ilustrações de ETC. Com a interrupção da saída de «O Mosquito» (1953), Coelho decide emigrar para França, onde usa o pseudónimo Martin Sièvre e colabora no semanário «Vaillant» (e depois em outros, como «Pif Gadget») até 1970, com «Ragnar, o Viking»; «Till Ulenspiegel»; «Davy Crockett»; «Wango»; «Yves, le Loup»; «Robin du Bois»; «Le Furet»; «Ayak» e «Erik le Rouge». É este o período de maior afirmação internacional de ETC, com generalizado reconhecimento dos conhecedores e especialistas. Em Portugal, foi o «Mundo de Aventuras» que publicou em tradução algumas dessas obras. A partir de 1970 trabalhará em Itália, sendo premiado com o galardão «Yellow Kid» no festival de Lucca. Como salienta o editor Guilherme Valente, é a primeira vez que os admiradores do mestre «vão poder apreciar na íntegra uma das obras mais belas que desenhou». Pela primeira vez estas pranchas são publicadas em álbum, sem as amputações que «na sua edição original sacrificaram, frequentemente, a integralidade do desenho ao espaço ocupado pelo texto de Raul Correia (…), numa edição que só foi possível pela arte, o conhecimento e o empenho de outro grande criador da banda desenhada portuguesa, José Ruy».

 

UMA HISTÓRIA CAVALHEIRESCA

Estamos perante uma história de cavaleiros, passada na Europa medieval, que tem a ver com 12 damas inglesas ofendidas por doze nobres ingleses, que alegavam não ser elas dignas do nome de damas, pela vida que supostamente levavam. Perante tão ignóbil afronta, as doze damas pediram ajuda ao Duque de Lancastre, João de Gante, que tinha combatido na Península Ibérica ao lado de D. João, Mestre de Avis – tendo sido por este indicados os cavaleiros portugueses que poderiam reconquistar a honra ameaçada das donzelas. Eram eles: Álvaro Gonçalves Coutinho, o Magriço (verdadeiro herói desta série); João Fernandes Pacheco (filho de um dos matadores de Inês de Castro) e seu irmão Lopo Fernandes Pacheco; Álvaro Vaz de Almada (que seria 1º Conde de Avranches); Álvaro Mendes Cerveira; Rui Mendes Cerveira; João Pereira da Cunha Agostim (parente de Nuno Álvares); Soeiro da Costa; Luís Gonçalves Malafaia; Martim Lopes de Azevedo; Pedro Homem das Costa e Rui Gomes da Silva – constando ainda que o rei indicou ainda Vasco Anes da Costa, o Corte-Real… Cada uma das damas escreveu a cada um dos doze cavaleiros e até a D. João I, acrescendo ainda o pedido do Duque de Lancastre. Onze cavaleiros seguiram por mar, mas um deles, o Magriço, querendo demonstrar maior valentia, decidiu ir por terra para «conhecer terras e águas estranhas, várias gentes e leis e várias manhas». Quando se atingiu o dia do torneio, o Magriço não chegara, para desespero dos companheiros e da dama que coubera a Coutinho, que já antecipava a desonra. No entanto, no último momento, Álvaro Gonçalves Coutinho apareceu, na sequência de mil aventuras e glórias, e permitiu que a honra das damas fosse salva. O episódio vem relatado, como sabemos, por Fernão Veloso no Canto Sexto de «Os Lusíadas», pouco antes da chegada a Calecute, mas Eduardo Teixeira Coelho foi busca-lo a António Campos Júnior, nas suas invocações da «Ala dos Namorados» (Edições Romano Torres, de 1905), já que o «Magriço» pertencera ao grupo de destemidos e jovens cavaleiros que intervieram na Batalha de Aljubarrota – e por quem D. João I tinha especial apreço.

 

A SOMBRA DE H. FOSTER

Como está documentado na apresentação do álbum, a obra foi totalmente remontada e, se era já uma obra-prima, fica como uma preciosidade gráfica. Nota-se a influência de Harold Rudolf Foster (1892-1982), o célebre autor do Príncipe Valente, criador da figura em 1937. Em bom rigor, esta longa série de 112 pranchas refere-se não tanto aos «Doze de Inglaterra», mas ao mais célebre deles, o Magriço. ETC escolhe um herói, à maneira romântica e como fez H. Foster. Entre a partida de Portugal e a chegada a Inglaterra, temos um conjunto de episódios que revelam a valentia e a eficácia do Magriço, à semelhança do Príncipe Valente. Seguindo o mesmo método de Foster, Eduardo Teixeira Coelho também não utiliza os balões nesta série. Enquanto o tema de Foster corresponde ao período compreendido entre o final do Império Romano e o início da Idade Média – integrando-se no ciclo bretão, que envolve, na tradição céltica, o rei Artur, os cavaleiros da Távola Redonda, Camelot, Merlin, Tristão, Laçarote do Lago etc.. O sucesso ficou a dever-se à referência histórica e ao culto individual do sucesso e do heroísmo… Não por acaso Teixeira Coelho escolhe um tema com semelhanças, que tem a ver com o início da dinastia de Avis e com o facto de a Mãe da Ínclita Geração e dos Altos Infantes ser uma Lancastre – tendo o seu casamento com D. João I dado origem à mais antiga das alianças no mundo. «Os Doze de Inglaterra» são o pretexto para enaltecer o Magriço, como Campos Júnior também faz, mas a propósito da «Ala dos Namorados» e das suas façanhas. O que ETC aqui nos apresenta é um conjunto de façanhas do Magriço. Pode dizer-se que o mestre atinge aqui a sua maturidade, que corresponderia ao seu momento mais fecundo e de mais nítido domínio da difícil arte da BD. Há uma articulação perfeita entre o ritmo da aventura, a apresentação das imagens, que se sucedem a um ritmo cinematográfico (que o seu autor desejava), o movimento, a intensidade da identificação e a representação das personagens. Com uma personalidade estilística muito marcada, o certo é que as reminiscências de Foster constituem uma marca de qualidade indiscutível. Se a influência é percetível, o certo é que ETC cedo se liberta das amarras de um qualquer seguidismo, demonstrando a sua própria originalidade, que o torna (como no caso dos maiores artistas) um caso excecional de originalidade. Os críticos têm concordado com o facto de a maturidade de «Os Doze de Inglaterra» corresponder a uma fase de grande domínio do traço e do seu sentido dramático pelo autor, por contraste com o tempo da grande produção em França (ou em Itália), onde se nota uma maior atenção ao pormenor e menos à encenação dramática e à força do talento artístico.

Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

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