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Morreu o arquiteto Nuno Teotónio Pereira

A Direção Centro Nacional de Cultura homenageia o Arquiteto Nuno Teotónio Pereira, que teve uma papel de extrema relevância na história da nossa instituição.

Velório amanhã (quinta-feira), a partir das 16h30 na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (entrada pela Rua de Santa Marta). Funeral na sexta-feira; saída às 13h30 para o Cemitério do Lumiar.

Tinha 93 anos. Marca a arquitetura portuguesa com obras emblemáticas

O arquiteto Nuno Teotónio Pereira morreu hoje em Lisboa a poucos dias de completar os 94 anos (a 30 de janeiro) em casa rodeado pela família. Com uma carreira de seis décadas, assina edifícios emblemáticos como a Igreja do Sagrado Coração de Jesus e o Franjinhas, edifício de escritórios na Rua Braamcamp, e os edifícios de habitação dos Olivais Norte, todos distinguidos com o prémio Valmor (em 1971, 1975 e 1967, respetivamente).

Nuno Teotónio Pereira formou-se em 1949 na Escola de Belas Artes de Lisboa com nota final de 18 valores.

Em abril de 2015 foi distinguido com o Prémio Universidade de Lisboa pelo exercício “brilhante” na área da arquitetura e como “figura ética”. Foi um histórico defensor de direitos cívicos e políticos durante o regime salazarista.

Teotónio Pereira foi um dos arquitetos pioneiros na área da habitação social, tendo projetado não só para a capital portuguesa, mas também para Braga, Castelo Branco, Póvoa de Santa Iria, Barcelos e Vila Nova de Famalicão, nos anos de 1950 a 1970.

Entre 1948 a 1972, foi consultor de Habitações Económicas na Federação das Caixas de Previdência, tendo realizado o primeiro concurso para habitações de renda controlada.

Foi galardoado com o 2.º Prémio Nacional de Arquitetura da Fundação Calouste Gulbenkian (1961), pelo Edifício das Águas Livres, e Prémios Valmor para a Torre de Habitação nos Olivais Norte (1967), Edifício Franjinhas (1971) e Igreja do Sagrado Coração de Jesus (1975).

Era membro honorário da Ordem dos Arquitetos desde 2004 e Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (2003) e pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa (2005).

“Sabia crescer com os outros”

“É um dia muito triste para todos. Arquitetos, portugueses, lisboetas”, frisou João Santa Rita, presidente da Ordem dos Arquitetos. Nuno Teotónio Pereira deixa muita obra feita e “ensinamentos muito grandes do ponto de vista de participação na sociedade, como homem ativo e como político.”

Para Ana Tostões, arquiteta e professora universitária, Nuno Teotónio Pereira foi “um renovador e revolucionário que teve em conta o contexto, os que vão usar a arquitetura, os utentes como se dizia nos anos 70”. Para a investigadora, Teotónio Pereira tem uma “importância imensa na arquitetura portuguesa, não só porque deixa uma vasta obra”, como pela influência nas novas gerações. Foi o primeiro a traduzir Le Corbusier e a publicá-lo em Portugal, lembrou.

“Foi capaz de criar uma escola de arquitetura paralela no atelier da rua da Alegria, chamávamos-lhe o atelier da Alegria”, refere. “Tinha um modo de trabalhar muito aberto, recebia a influência das novas gerações. Sabia crescer com os outros”, acentua.
in Diário de Notícias | 20 de janeiro de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias



Nuno Teotónio Pereira, a Obra Aberta

por Ana Tostões

A arquitetura portuguesa ficou mais pobre com a morte de Nuno Teotónio Pereira. Figura referencial, encarou programas como habitação e equipamento público ou a intervenção na cidade e no território, como Obra Aberta, concebida com um realismo sem precedentes. Aos 25 anos defendia ser “preciso construir sem preconceitos e com pureza de intenções. Com uma espécie de inocência infantil. A preocupação terá de ser construir bem”. Ao longo da sua vasta produção manteve-se fiel a uma criação implicada com o real, com o lugar e as pessoas. Do compromisso social ao político é esse o sentido de uma obra aberta à participação. Estudante, bateu-se com coragem pela causa moderna publicando inauguralmente escritos referenciais de Le Corbusier. Acreditava na possibilidade de uma terceira via e manteve um olhar crítico em relação ao dogmatismo do ideário moderno, batendo-se pela ponte com a arquitetura vernácula e pela urgência da reconciliação com a história e a memória.

Pioneiro do trabalho de equipa, o seu atelier funcionou como uma escola de inovação e discussão, paralela à ESBAL da formação oficial, académica, retrógrada e repressiva. Foi lá que trabalharam sucessivas gerações dos mais importantes arquitetos, de Bartolomeu da Costa Cabral a Nuno Portas ou a Pedro Vieira de Almeida, de Gonçalo Byrne a Pedro Viana Botelho. Profundamente interessado pelas causas sociais, dedicou-se à investigação da “Habitação para o Maior Número” e concebeu importantes conjuntos de habitação económica, designadamente para Braga, Castelo Branco, Barcelos. Da luta por uma arquitetura religiosa contem- porânea resultou a igreja de Águas (1950-1952), paradigma da renovação, ampliado no Mosteiro de Sassoeiros (1958–1960), e globalmente realizado na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (1962-1970; Prémio Valmor 1975), abrindo o lugar religioso ao espaço urbano. Com o conjunto de habitação dos Olivais-Norte (1959) propõe uma inovadora organização espacial e a participação de artistas plásticos, recebendo de novo o Prémio Valmor (1968), pela primeira vez atribuído a uma obra de carácter social. No edifício de comércio e serviços Franjinhas retoma a ideia de penetração do espaço público no edifício. Pela primeira vez a arquitetura é trazida com essa dimensão pop para a discussão pública num apaixonado debate. Nos anos 70, o plano para o Alto do Restelo é a redescoberta do valor da rua e da cidade tradicional, retomando o valor formal do quarteirão. Nos anos 80, projeta a CGD da Horta (Açores) optando por uma forte contextualização imagética. O Programa Polis da Covilhã é talvez a maior intervenção urbana do ateliê, apontando para a requalificação das ribeiras e a mobilidade pedonal. O prestígio de Nuno Teotónio Pereira ultrapassa a dimensão profissional, alargando-se à do cidadão interveniente. Denunciador de injustiças, combateu o regime do Estado Novo, tendo sido preso diversas vezes pela PIDE-DGS. Foi fundador do Movimento de Renovação da Arte Religiosa (1952-1971), presidente da Cooperativa Cultural PRAGMA, do Centro Nacional de Cultura, da Associação dos Arquitetos Portugueses e do Conselho de Arquitetos da Europa. Foi Prémio Gulbenkian de Arquitetura (1961), Prémio AICA (1985), Prémio Instituto Nacional de Habitação (1991), recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e o doutoramento honoris causa. Diversos escritos completam a ação globalizante deste autor que soube renovar as linguagens, deste pedagogo interveniente na sociedade portuguesa. Com inteligência e permanente atualidade, poder de síntese e de diálogo, Nuno Teotónio Pereira é um exemplo de coerência, rigor e saudável tenacidade. A contemporaneidade da sua obra é a prova da resistência a modas e estilos e por isso surge com a dimensão inusitada de uma Obra Aberta.

Ana Tostões
Professora catedrática

 

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