Crónicas de Viagem - MYANMAR E TAILÂNDIA

Já saudades de Sião! – Crónica XI

Deixámos incompleto o dia de ontem, 7 de setembro, muito rico em gestos afetuosos, sem esquecer o magnífico festival da noite anterior onde a doçaria de tradição portuguesa teve um lugar especialíssimo – como os fios de ovos e massapão.

As fotografias ilustram bem a beleza do que nos foi dado ver: o extraordinário conjunto de edifícios que constitui o palácio real de Banguecoque tem inolvidáveis requinte e colorido fulgor; o templo do Buda de esmeraldas, do final do século XVIII (Wat Phrah Kaew), é o mais sagrado da Tailândia e o do Buda reclinado (43 metros de comprimento e 15 de altura) um repositório único de beleza, como as incríveis incrustações de madrepérola dos pés, e as inscrições de incalculável valor testemunhal e científico. De facto, surpreende-nos a riqueza decorativa da arte thai e o belíssimo estado de conservação.

E lembramos João de Barros: «Geralmente esta gente dos Siames é muito religiosa e amiga da veneração de Deus, porque lhe edificam muitos e mui grandes e magníficos templos, uns deles de pedra e cal e outros de tijolo e cal, nos quais têm muitos ídolos de figuras de homens os que eles dizem estarem no Céu porque viveram bem na terra, e que têm as suas imagens por sua lembranças mas não as adoram».

À tarde foi a visita à Igreja do Rosário e ao respetivo bairro, também do final do século XVIII (momento crucial de criação da cidade moderna), onde se estabeleceram portugueses e lusodescendentes, vindos de Aiútia.
Tratou-se de uma concessão do rei Rama I, como preito de «gratidão à rainha D. Maria I, pela sua amável generosidade, símbolo de boa vontade que não poderá ser esquecido até ao fim do mundo» (1787).

O dia terminou da melhor maneira, como já dissemos, graças à hospitalidade dos Embaixadores Luís e Maria da Conceição Barreira de Sousa. Foi um pôr-do-sol muito especial nas margens do rio Chao Phraya e depois do magnífico jantar, o Embaixador deu conta das diligências diplomáticas no sentido do reforço e estreitamento das relações diplomáticas e culturais entre a Tailândia e Portugal.

O edifício da Embaixada é do estilo neoclássico, tendo sido atribuído a Portugal, no âmbito do Tratado de 1820. Durante o reinado de Rama II foi oferecido a Portugal um terreno em que estabeleceram uma «Feitoria Portuguesa» e a residência do primeiro Cônsul, Carlos Manuel da Silveira. Foi, assim, atribuído «um chão que lhe pareceu próprio e conveniente com 72 braças de Sião ao longo do Rio, 50 de fundo com dois gudes para fazer navios com privilégio que todos os Portugueses poderão vir aqui negociar como antigamente por quanto S. Majestade é Inclinado à Nação Portuguesa que a nenhuma outra». Foi a verdadeira hospitalidade portuguesa capaz de deixar profundas saudades. E não pôde ser esquecido o aniversário da nossa querida Margarida Gil…

No dia seguinte o grupo saiu em direção à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, onde o Senhor Monopchai Vongphakdi, alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Tailândia com sua família receberam principescamente, mostrando o Bairro onde residem os cristãos de ascendência portuguesa.

A Igreja e o cemitério recordam bem a presença portuguesa e, para que não tenhamos dúvidas, aí estão as inscrições em português e as referências a nomes bem familiares, como os Ribeiros e os Costas.

De embarcação, prosseguiu a peregrinação até à outra margem do rio para a visita do Bairro e da Igreja de Santa Cruz, onde a receção foi inolvidável, com um grupo de estudantes a darem as boas-vindas: «Sejam bem-vindos representantes de nossos antepassados!».
 
E se a saudade começa já a corroer os espíritos, depois do coro em português, todos ficaram rendidos aos queques com passas, que nós próprios vamos tendo cada vez mais dificuldade em encontrar como outrora se faziam.

O dia terminou com a visita à Catedral da Assunção de Nossa Senhora, onde pudemos testemunhar como o diálogo intercultural se manifesta na arquitetura, com a sábia síntese entre os elementos orientais e portugueses. Por estas partes sentimo-nos um pouco em casa. Se hoje o comércio já não se faz no papiar cristão, o certo é que essa memória ainda existe, até do tempo em que americanos e siameses celebraram um tratado em língua portuguesa, porque era a única que poderia ser entendida pelos dois interlocutores.

Está a chegar ao fim este peregrinar e, no entanto, é já a lembrança e a saudade que nos assaltam…

Guilherme d’Oliveira Martins

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