«Indo mais ao diante, leixando o reino de Pegu ao longo da costa contra Malaca, está um mui grande reino que chamam d’Anseam, de gentios; o rei dele o é também e mui grã senhor; toma desta costa até a outra que de Malaca vai contra a China, de maneira que d’ambalas bandas tem portos de mar; é senhor de muita gente de pé e de cavalo e de muitos alifantes; nom consente que em sua terra os mouros tragam armas».
Eis o que diz Duarte Barbosa em «Livro das Cousas do Oriente» sobre o Reino de Sião, onde o grupo do CNC chegou no sábado, vindo das terras birmanesas. Depois de um primeiro contacto com Banguecoque e do descanso retemperador no Pullman Hotel, o primeiro destino foi Aiútia (Ayuthia ou Ayutthaya), capital do Reino de Sião de 1350 a 1767.
A partir de 1511, os portugueses entraram em contacto com o Reino, enviando Afonso de Albuquerque o emissário Duarte Fernandes, e depois o Embaixador António Miranda de Azevedo, que foi recebido pelo próprio rei de Sião em Aiútia, que lhe mostrou um magnífico elefante branco e o presenteou com uma valiosa coleção de sinos. Chegados à capital de Sião (Anseam, na expressão de Duarte Barbosa), os portugueses começaram a instalar-se no que virá a ser o seu próprio Bairro (Bang Portuguet) – fruto de concessão régia de 1540, em agradecimento pela participação dos portugueses na guerra contra a Birmânia.
A comunidade de Aiútia baseia-se na mestiçagem e num forte enraizamento local, o que permite a sua longevidade.
O Bairro Português situa-se na margem direita do Rio Chao Phraya. Na cidade há, contudo, mais três comunidades de lusodescendentes: a de Santa Cruz (Thonburi), na margem esquerda do Rio, e as do Rosário e da Conceição, ambas na margem direita.
A partir de 1565-66 chegam a Aiútia dois frades dominicanos, que inauguram a missionação no Sião, seguindo-se os franciscanos, os jesuítas e os agostinhos. As igrejas do Bairro Português são frequentadas pelos luso-descendentes e por membros de outras comunidades – como japoneses e vietnamitas. Nos anos oitenta do século XX, houve importantes pesquisas arqueológicas, apoiadas pela Fundação Calouste Gulbenkian, sobre os vestígios da igreja de S. Domingos. Refiram-se ainda as igrejas de S. Francisco e de S. Paulo, respetivamente de franciscanos e jesuítas. Os primeiros edifícios religiosos eram construídos com materiais perecíveis. Só mais tarde foi usado o tijolo, a pedra e a cal, provenientes provavelmente de Macau. A cidade dispôs-se junto ao rio, havendo ainda um canal para proteção no período das monções. Originalmente, as edificações eram de madeira e de bambu.
As fotografias que hoje apresentamos documentam a visita do nosso grupo ao campo de S. Domingos, e mostra-nos, a partir das ruínas que chegaram a nós, o que era o templo.
Havia um altar-mor para oeste e a entrada virada para leste, ao contrário da maioria das igrejas católicas. Isto deve-se ao facto de a referência para a construção ser o rio, que condicionou o modo como a comunidade se instalou. As igrejas apresentavam influências da cultura siamesa na decoração e nos materiais usados. Como afirmou o Padre De Marini em relação à igreja jesuítica de S. Paulo: «Graças ao costume local de pintar coloridamente e dourar, a arquitetura da fachada fica de tal modo graciosa que até os gentios se encantam».
A igreja de S. Domingos era de estilo europeu, com tijolos e argamassa de cal, possuindo três naves. A entrada principal abria-se em direção ao átrio, enquanto as entradas laterais possuíam escadas flanqueadas por balaustradas, de cada lado. Nas traseiras havia um claustro, onde estavam os aposentos dos missionários, a cozinha e o refeitório. Houve pelo menos dois momentos construtivos em S. Domingos, segundo uma cronologia geral nos séculos XVI e XVII. A última intervenção tentou reconstruir a fase derradeira da ocupação pela Ordem dos Pregadores. Graças apoio da Fundação Gulbenkian foi edificado um pavilhão para albergar as ossadas do cemitério adjacente à Igreja, bem como para construir um cais para acesso fluvial.
As fotografias enviadas por Helena Serra apresentam ainda a visita à Igreja de S. José de Aiútia, construída durante o reinado do rei Narai em 1666, como resultado do pedido dos Missionários liderados pelo Bispo L. La Motte.
A igreja original de madeira foi reconstruída em tijolos entre 1685 e 1695. Em 1767 a igreja foi destruída pelos birmaneses e só em 1831 o Padre Pellegoix cuidou da restauração que apenas ficou completa vem 1847. O ano de 1767 marcou o fim da influência de Aiútia, e o Bairro Português, que seria fortemente afetado pela destruição, foi um dos polos mais ativos de resistência, sendo hoje ainda lembrados os seus heróis. Amanhã continuaremos…
Guilherme d’Oliveira Martins