REFLEXÃO DA SEMANA
De 13 a 19 de Dezembro de 2004
“Ao contrário do que muitas vezes é dito, não sofremos de falta de identidade mas antes de excesso de identidade. A nossa preocupação de imagem, de sermos vistos, é doentia. É uma obsessão narcísica que não tem razão de ser”. Quem o tem dito, variadíssimas vezes, mesmo sem ser ouvido, é Eduardo Lourenço. E, no entanto, na literatura e na poesia temos uma visibilidade superior à nossa dimensão… Precisamos neste momento de apostar mais na nossa abertura ao exterior e na cooperação com outros países, na mobilização europeia, recusando a perigosa lógica da auto-suficiência e de uma representação desfocada de nós mesmos… A Universidade Católica organizou nos dias 6 e 7 de Dezembro o Colóquio Internacional “Identidade Europeia, Identidades na Europa”, onde a interrogação sobre o tema identitário foi feita a partir de diversos diálogos, em busca de denominadores comuns, não narcísicos, não ensimesmados, mas disponíveis para a constituição de uma “comunidade plural de destinos e valores”. Houve a procura de um mito mobilizador com elementos contraditórios, numa União de Estados e Povos livres e soberanos. A identidade europeia tem de ser concebida de forma aberta, a partir de uma pluralidade de pertenças. O projecto europeu tem de ultrapassar o seu estado de indefinição – defendeu o Bispo Auxiliar de Lisboa, D. Manuel Clemente. A identidade europeia não pode destruir ou empobrecer as identidades particulares. E salientou a importância das religiões, e em especial do cristianismo, na construção da mentalidade europeia. As religiões devem ter um papel importante na afirmação da liberdade religiosa e do princípio da laicidade, na linha de Santo Agostinho. Mas, se falamos de identidade, temos de pensar na formação da opinião pública europeia, de uma sociedade civil activa e de um “espaço público europeu”. A comunicação social tem um papel fundamental, de esclarecimento e orientação. E aqui entra a “construção” da identidade europeia através da Educação e da Cultura, as chaves na criação de uma “identidade europeia”, como realidade poliédrica e complexa. O paradigma, apontado por Péricles no seu discurso aos atenienses, da “cidade educadora” foi recordado por Roberto Carneiro. A cidade que se apetrecha contra a servidão tem tudo a ver com a forma europeia de ver o mundo – através da Paideia e da Humanitas. A Europa é uma ideia, mais do que um continente. Mas é a identidade um conceito perigoso? Precisamos da identidade para definirmos um espaço de coesão, para termos as bases não contratuais de um contrato social e para termos o fundamento de um “demos” europeu. Daí a necessidade de uma “comunidade de memória”, apta a compreender e a assumir, com sentido construtivo de futuro, a responsabilidade e as culpas nas vicissitudes das revoluções, das guerras ou do holocausto…
Guilherme d’Oliveira Martins